de Pedro da Maia, em que ela costumava montar. Animal soberboi Mäs nem mencionei o marido, falei so do cavalo. Pois senhores, bäte com o leque em cima da mesa, grita como uma bicha: — Dites dotic, mon eher, vous m'embetez avec ces histoires de l'autre monde!... Com efeito, bem o podia dizer, eram historias do outro mundo! Para eneur-tar: estou convencido que, nos Ultimos tempos, ela mesmo julgava que Pedro da Maia nunca existira. Uma insensata! Por fim atc bebia... Mas acabou-se! Tinha grande coraeäo, e portou-se muito bem com a Clemence. Parce sepultis! — E horrivel — murmurou outra vez o Ega, tirando o chapeu correndo a mäo tremula pela testa. E agora o seu ünico desejo era a aeumulaeäo incessante de provas de detalhes. Falou entäo desses papeis, desse cofre da Monfortc. O Sr. Guimaräes näo sabia o que eles continham; e näo se admiraria se fossem apenas contas de modista, ou pedacos velhos do Figaro, cm que se falava dela... — E uma caixita pequena que a Monforte me deu, na vespera de partir para Londres com a filha. Era no tempo da guerra... Ja a Maria vivia com o irlandes, tinha mesmo uma pequena; a Rosa. Depois veio a Comuna, todos aqueles desastres. Quando a Monforte voltou de Londres, eu estava em Marselha. Foi entäo que a pobre Maria sc meteu com o Castro Gomes, creio que para näo morrer de fome... Eu recolhi a Paris, mas näo vi mais a Monforte, que ja estava muito doente... Ä Maria, colada entäo a essa besta do Castro Gomes, um pedante, um rastaquouere mesmo a calhar para a guilhötina, näo tor-nei tambem a falar. Se a encontrava era um cumprimento de longe, como noutro dia, quando a vi na carruagem com Vossa Excelencia c com o irmäo... De sorte que fui ficando com os papeis. Nem, a falara verdade, com estas coisas todas de politica, me lembrei mais deles, E agora ai estäo, äs ordens da familia. r.-< — Se isso näo fosse incömodo para Vossa Excelencia — aeudiu Ega — eu passava agora pelo seu hotel e levava-os logo'comigo... — Incömodo nenhum! Estamos em caminho, € negocio que fica feito! Algum tempo seguiram calados. O sarau decerto acabara. Um bater de carruagens atroava as descidas no Chiado. Junto deles passa-ram duas senhoras, com um rapaz que bracejava, falando alto do Alencar. O Sr. Guimaräes tirara lentamente do bolso a charuteira: 1 i depois, parando, para raspar um fósforo: — Entäo a D. Maria passa simplesmente por parenta?... E como soube ela? Como foi isso? Ega, que caminhava com a cabeca caída, estremeceu como se scordasse. E comecou a tartamudear uma história confusa, de que ele I mesmo corava na sombra. Sim, Maria Eduarda passava por parenta. i cora o procurador que descobrira. Ela rompera com o Castro Gomes, com todo o passado. Os Maias davam-lhe uma mesada; e vivia nos ! OlivaiS' muito retirada, como filha de um Maia que morrera na Itália, fodos gostavam muito dela, Afonso da Maia tinha grande ternura I pjia pequena... i E de repente indignou-se com estas invencôes, por onde arřastava I já-o nome do nobre velho, exclamou como se abafasse: —' Enfim, nem eu sei, um horror! — Um drama! — resumiu gravemente o Sr. Guimaräes. E como estavam no Pelourinho, rogou ao Ega que esperasse um momento, enquanto ele corria a cima buscar os papéis da Monforte. So, no largo, Ega ergueu as mäos ao céu, num desabafo mudo j daquela angústia em que caminhava, como um sonämbulo, desde o Loreto. E a sua única sensacäo, bem clara — era a indestrutivel certeza da história do Guimaräes, täo compacta, sem uma lacuna, sem uma falha por onde rachasse e se fizesse cair aos pedacos. O homem conhecera Maria Monforte em Lisboa, ainda mulher de Pedro da Maia, brilhando no seu cavalo alazäo; encontrara-a em Paris já fugida, i depois da morte do primeiro amante, vivendo com outros; andara entäo ao colo com Maria Eduarda, a quem se davam bonecas... ' E desde entäo näo deixara mais de ver Maria Eduarda, de a seguir: em j Paris; no Convento de Tours; em Fontainebleau com o irlanděs; nos bracos de Castro Gomes; n uma tipóia de praca, enfim, com ele e com Carlos da Maia, havia dias, no Cais do Sodré! Tudo isto se encadeava, , concordando com a história contada por Maria Eduarda. E de tudo ressaltava esta certeza monstruosa: — Carlos amante da irmä! Guimaräes näo descia. No segundo andar surgira uma luz viva, numa janela aberta. Ega recomecou a passear lentamente pelo meio 1 do largo. E agora, pouco a pouco, subia nele uma incredulidade, contra esta catástrofe de dramalhäo. Era acaso verosímil que tal se passasse, com um amigo seu, numa rua de Lisboa, numa casa alugada ámäe Cruges?... Näo podia ser! Esses horrores só se produziam na 596 i 597