Os cenários urbanos da violência na literatura brasileira- Karl Erik Schøllhammer O texto Os cenários urbanos da violência na literatura brasileira foi publicado no ano de 2000 no Rio de Janeiro como uma parte da antologia Linguagens da violência. Esta miscelânea foi organizada por Carlos A. Messeder Perreira, Elizabeth Rondelli, Michael Herschmann e Karl Erik Schøllhammer. O próprio texto é dividido em três partes. No início aproxima a posição especial, que a violência toma na literatura brasileira. Depois seguem alguns estudos teóricos, dedicados sobretudo a violência. Na segunda parte, denominada A violência e a cidade, são analizadas três tendências na literatura brasileira nos anos 70 do século XX. A terceira parte, O corpo da cidade, leva novas abordagens no tema da violência, que foram usadas nas décadas 70, 80 e 90. O texto depara também o resumo de desenvolvimento da violência na literatura desde realismo e naturalismo até ao fim do século XX. A violência aparece na Brasília nem como uma extravagância do gosto duvidoso, nem aberação, mas como elemento fundador da cultura nacional. O seu estudo pode ter dois problemas- o perigo de deslocar a violência de centro na área sociopolítica ou de privilegiar uma vertente marginal. A violência tem tido como cenário de modo geral o interior, o campo, o sertão, ou depois também o espaço urbano. Entre os primeiros estudos sobre a violência figura o estudo do crítico chileno Ariel Dorfman, chamada Imaginación y violencia en America Latina. Ele considera a violência como um elemento estructurador na cultura latino-americana. Diferencia a temática da violência em quatro dimensões: 1) dimensão vertical, base da violência social. Aqui pode ser a violência repressora e autoritária ou rebelde e libertadora, literariamente simbolizada como salvação e recuperação de dignidade e independência. 2) dimensão horizontal, inclui a violência intersubjectiva, individual e alienação do indivíduo da sociedade. Questões existencias são formuladas em símbolos de honra e vingança. 3) dimensão interior, inespacial e psicológica, a violência é conduzida por desespero e angústia sem alvo exterior justificado. 4) violência como um movimento transgressivo. Esta pode produzir uma experiência cataráctica de purificação das emoções por teor e piedade. Desde o naturalismo até a década de 40, a literatura tratava da violência contra das sociedades (conquista, ocupação, aniquilação dos índios, escravidão, luta pela independência,…). As mudanças manifestavam-se já nos anos 30, no regionalismo nordestino. A violência modifica-se nos temas e retoma-se em procura estética de uma expressividade realista, já sem influências positivistas, usadas na época do naturalismo, e existenciais dos romances biográficos. No contemporâneo a relevância de estudo de Dorfman se desloca para o espaço urbano, que era modificado pelo desenvolvimento econômico. Na nova sociedade, a maioria da população se aglomera nas grandes metrópoles e a literatura procura uma expresão mais adequada à complexidade da nova realidade. Nos romances regionalistas apresentam-se dois sistemas. Trata-se de um sistema mais antigo, simbólico com violência de honra e vingança e de sistema global de justiça moderno. O sistema moderno lá não é capaz de garantir ordem e direitos de homens comuns e por isso se realiza outro sistema, que funciona. O estudo de Gilles Lipovetsky, como parte do livro A era do vazio, apresenta a violência da honra como a autodefesa da sociedade primitiva diante da arbitrariedade dos poderosos e do abuso do poder. Nesse sentido, a violência de honra e vingança exprime a prioridade do conjunto colectivo sobre o indivíduo e não pode ser interpretada como um acto incontrolado e perverso. Sob deste aspecto, a violência, nas socialidades primitivas, deve ser entendida como um mecânismo social, que repara o quebrado equilíbrio social. No romance Vidas secas de Graciliano Ramos há, outra vez, o claro exemplo do conflicto de dois sistemas em uma sociedade. A sistema moderno (onde os direitos humanos garanti o lei e o Estado) fracassou e formou-se só uma embalagem vazia, na qual funcionam realmente estruturas autoritárias tradicionais com a violência de honra. Outro exemplo deste conflicto apresenta a prosa de Guimarães Rosa (O duelo, Grande sertão: veredas). No conto O duelo aperece a possibilidade de evasão de antigo sistema para a cidade (Turíbio fugiu para Saõ Paulo). Nos anos 60, os escritores brasileiros tentavam renovar a prosa nacional. Neste tempo, a cidade e a sua realidade inicitava interesse dos escritores, porque se tornava o grande espaço simbólico e sociocultural, que superava os limitos do realismo. Esta orientação dá nas vistas na „geração pós-64”, que foi formada por escritores como Rubem Fonseca, Roberto Drummond, Mafra Carbonieri e outros. Entre os seus temas mais preferidas figuravam as lutas cotra repressão e tortura, a vida na clandestinidade e conflictos sociais entre pobres e ricos nas metrópoles. A violência e a cidade Durante os anos 70, três tendências principais revelavam-se na literatura brasileira: 1) Prosa engajada, que se interessava pelo tema da luta contra o regime militar. Entre este corrente figuram os títulos como A casa do vidro de Ivan Angelo ou Os carbonários de Alfredo Syrkis. 2) O realismo documentário, que mostrava a violência repressiva dos aparelhos policiais. Este tipo de literatura foi inspirado nas reportagens da imprensa e por causa de censura, a crítica da violência deslocava-se dos jornais para a literatura de outro carácter. Neste movimento foram publicados os livros de José Louzeiro e de Aguinaldo Silva. 3) Brutalismo Este termo, denomidado por Alfredo Bosi, caracteriza as descripções e recriações da violência social entre classes marginais e excluídas-bandidos, prostitutas, leões-de-chácara, policiais corruptos e mendigos. Rubem Fonseca usou o termo brutalismo já em 1963 na antologia dos contos Os prisioneiros. Criou um seu próprio estilo, muito enxuto e directo. Interessava-se por temas cotidianos de área carioca , usando uma linguagem coloquial com muitas inovações. Entre outros autores figuram aqui Ignácio Loyola Brandão, Roberto Drummond, Sérgio Sant´anna ou João Gilberto Noll. Neste corrente da literatura assomava uma implícita apologia à violência, que inicitava as revoltas contra o regime sem legitimidade. Também apareciam aqui umas tentativas de compreensão de problemas de excluídos e de ameaçadas pelas crescente desigualdade entre pobres e ricos. No conto Intestino grosso de Rubem Fonseca, o autor critica a tradição literária brasileira. Reprova naturalismo com realismo e também regionalismo, porque lhes acha insuficientes a uma nova experiência humana de grande cidade. Nos seus textos, ele dedica-se aos temas proibídos e excluídos. Desta razão foi denunciado como o autor „pornográfico“, que, à semelhança da pornografia, trabalha com temas problemáticos e exculídos da sociedade. Fonseca operava também com fortes emocões e com efeitos, que originavam nos leitores. Ele criava a realidade através das emoções mais fortes e violentes, inspirando-se na obra de Michel Foucault ou de Marquês de Sade. O termo „transrealismo“ (expressão do real além da realidade) dava expressão a uma nova experiência social e a um preciso de renovar a linguagem poética. Graças a opção de linguagem „pornográfica“, a linguagem literária enriquecia-se de novos expressões proibídas. O corpo da cidade Hoje em dia, a cidade é interptetada como expressão material de dessimbolização da violência fundadora e produz a violência anárquica e horizontal, sempre mais contagiosa. Os escritores afirmam, que a cidade se forma como um sistema de códigos, que reflecte a ordem da sociedade racionalista, mas também que se aqui vive em situações extremas. Nos anos 70 e 80, a maior parte das autores gera as situações na cidade mais livre e imaginoso, embora a literatura represente também o documento histórico da experiência real. E tentou articular um novo espaço comunicativo com a violência, para a ressimbolizar. A cidade oferece um cenário privilegiado para a procura de nova expressividade. As mudanças ocorrem também na relação entre sujeito, como corpo senzível, e a cidade, como realidade estética; um confronto e uma simbiose realizam-se de nova maneira. Schøllhammer frisa aqui o exemplo de Rubem Fonseca e o seu romance experimental O caso Morel. Encontra aqui um resíduo romântico e, num sonho latente, desejo de reconciliação com uma realidade alienada da cidade.Muito típica é por Fonseca a sua hipersensibilidade, que apresenta extrema individualização da vida urbana. Na consequência desta extremidade pode surgir a destruição do sujeito enquanto tal. No início dos anos 80, a prosa brasileira abandona o compromisso histórico com o tema da realidade urbana e absorve-se na experiência quase-mística do indivíduo. À semelhança de Fonseca, João Gilberto Noll dedicava-se à relação entre sujeito e cidade no seu romance A fúria do corpo. Descrevia uma relação sensível entre um casal de mendigos e o corpo da cidade de Rio de Janeiro, que se baseava na sensibilidade e erotismo. Nesta relação encontram- se as tendenções vitalidades e violentes, que nutriam o submundo urbano. Nos anos 90 surgiram vários exemplos de exploração da temática da violência. Sobretudo Patrícia Melo tentou retomar tendenções de Rubem Fonseca. Mas sem boa aceitação, o seu romance O matador não capta a realidade, o resultado é só „um tipo de pornografia real“. O leitor não é capaz de se relacionar com alguém, nem sentir simpatia ou antipatia com alguma das pessoas no livro. Outro espécime desta área apresenta o livro Cidade de Deus de Paulo Lins. O autor tem jeito para recriar o mundo dos excluídos e os seus problemas com a violência e com crimes. Mas Schøllhamer critica a utilização da linguagem, que parece quase folclórica e sem profundidade.