SOBRE SEMÄNTICA LEXICAL E SEMÄNTICA FRÁSICA NA TERMINOLÓGIA PARA OS ENSINOS BÁSICO Ľ SECUNDÁRIO FATIMA OLIVEIRA Aelaboracäu de uma nova Terminológia para os Ensinos Básico e Secundário envolveu vários linguistas de diferentes areas e teve por base trabalhos anteriores em que se reflecie sobre estas questöes. Esta terminológia pretende. por um lado, ultrapassar uma grande dcsactualizacäocicniífica que a nomenclaiura anterior manifestava1 e,poroutro. introduzir conceitos que. sendo essenciais para o estudo de uma lingua, näo éram sequer considerados. Quer isto dizer que estes novos termos podem contribuir para urna melhor compreensäo de aleuns aspectos linguisticos com os quais os docentes se debatem e para os quais tém alguma dificuldade em encontrar maneiras adequadas de descric_äo. Penso estarem nesta situacao conceitos introduzidos em subdominios como, por exempio. Semantics Frásica, Pragmática c Linguística Textual e também Fonologia. Acresce que, näo havendo. quer para estes novos conceitos quer para os mais conhecidos, uma terminológia que de algum modo servisse de instrumento de trabalho. isso permitia uma proliferacäo de termos e por vezes de conceitos que aumentavam a ambiguidade, as imlecisöes e sobreludo a latta do rigor que deve ser exigido quando se trata de adqutrir um eonhecimento explicito de uma lingua. Creio portanto que esta terminológia representa um avanco consideravcl no sentido de propiciar um mais adequado instrumento de trabalho aos inlcrvenientes no processo educativo em geral e do ensino do ponugués em especial, por poder ajudar a resolver problemas e por simultaneamente usufruirde conhecimentos consolidados em Lingui'stica. Com efeilo. ensinar gramática envolve desenvoiver a consciéncia linguística dos alunos de modo progressi vo e adequado ä sua fase de desen vol vi mento linguístico de forma a permitir--Ihes vir a alcantjar urn eonhecimento metaiinguistico. Para alcancar tais objeclivos. a terminológia é um instrumento básico. apesar de näo ser o único, sobretudo quando alícercada em conhecimentos linguisticos fundamentals e sólidos, Cada vez mais se fala na sociedade portugucsa sobre a pouca cultura cieniťfica dos Portugueses e como isso pode terconsequéncias nas suas vidas e na compreensáo do mundo. Ora, o ensino da gramática pode também contribuir signiľicativamente para essa cultura, se o entendermos como urna actividade de procura e de descoberta em que podem aplicar-se alguns métodos tipicamcnte assocíados a ínvestígacäocientifica como sejam aobservagäo de dados, a deteccäo de regularidades, a formula^äo de algumas generalizatjôes ou ale a possibilidade de as testar relativamente a dados novos. Quer isto ďizer que a lingua pode ser estudada de modo objective na medídaemque se conseguir ultrapassar o eonhecimento intuitivo dos falantes e se adquirir um eonhecimento reflexivo e estruturado. Tal atitude apresenta algumas vantagens näo só pelo poder Ibrmativo que encerra como também por permitir ultrapassar urna memorizacäo sem compreensäo que, como se sabe. apresenla 1 A nomenclature mencionada data de 28 de Abril de 1967, portaria n° 22664. FATIMA OLIVEIRA eľeitos negativos a curto piazo e. sobretudo, a longo prazo pela ľalta de capacidade cm reagir perante o que é novo. 1. Obsorvacoes gerais É com base nestes pressupostos que seräo aprcsentadas. dc forma muito breve, algumas novidades que esta terminológia encerra. em particular no dominio da semántica frásica. Näo é possível. como é evidente, falar dc todos os aspectos que aparecem na terminológia neste domínio pois todos eles merecem urna atencäo e urna explanacäo cuidadosa. Mas deve desde já ficar claro que as definicôes apresentadas e os exemplos ilustrativos da terminológia näo säo de modo nenhum sutlcientes para introduzir ou reequacionar o seu ensino. Com efeito. cla deve ser entendida também como impulsionadora dc urna maior refiexäo e estudo que fundamente urna prática pedagógica alicereada na consolidacäo do conhecimento e no treino na observacäo dos dados. No que ä Semántica diz respeito. csta terminológia é bem um exemplo de um pequeno léxico especializado.: constituťdo por definicňes dos termos mas em que. ao usar o portugués como metalinguagem, é possível ainda. em alguns casos, encontrar ambiguidades ou auséncia de relacôes indispensáveis entre termos. Mas esta era a alternativa mais viável para agrupar e organizar. de forma acessível aos seus utilizadores. um conjunto considerável de termos, embora por si só näo seja suficiente pois implica. nccessaríamentc. uma actualizacäo de conhecimentos. No entanto. esta näo é a forma como se concebe o Léxico em Linguística e o significado das palavras näo pode ser visto apenas desta maneira como também näo pode ser alcancado só através do estudo de certas relagôes dc inclusäo. sinonímia ou antonímia entre as palavras. Neste sentido, o subdomínio de semántica lexical é bastante conservador na medida em que se limita a acrescentar alguns termos como. por exemplo, meronímia e holonfmia já presentes em programas. Eslas observacóes tém a ver com o näo se poder considerar que o significado das palavras é obtido só através dessas relates, pois pouco se acrescenta ao seu conhecimento e tal acarretaria dcixar de lado algo de exlremamente importante que é a construcäo do significado pelo menos ao nível da frase. Isto é, o significado de urna palavra deve ser entendido como um potenciál de significado que se torna mais preciso na medida cm que se insere num contexto linguístico. Quer isto dizer que, para se compreender o sentido das definicôes da terminológia, é preciso saber näo só esse potenciál de significado das palavras como compreender a forma como elas se encontram relacionadas nas diferentes frases que constituem cada urna das definicôes. Por isso näo sc pode estudar urna lingua aprendendo as regras sintácticas e consultando um dicionário para saber o significado das palavras. O nosso conhecimento lexical é muito mais complexo incluindo diversos tipos de informacôes desde a categoria da palavra ao numero de argumentos e suas funcôes semänlicas ou ä sua represe ntaeäo fonológica. É por essa razäo que, a título exemplificativo, as frases (1) e (2), embora bem formadas do ponto de vista estritamente sintáctico. näo säo acciláveis e as frases (3) e (4) o säo: Veja-se a sua definite no subdomínio de Semantics Lexical. SOBRE SEMÄNTICA LEXICAL E SEMANTIC* FRÁSICA f I) A pedra comcu a maga. (2) A mesasorriu. (3) A Ana comeu a magä. (4) A crianga sorriu. Por outro lado. uma parte consideravel do significado e construida. como ja se disse, no quadra de frases e tambem de textos. Convem. no entanlo, alertar para o facto de que nao se estd a falar do significado que urn falante atribui a uma palavra pois 0 que aqui e relevante ter presente e que a posigao e a construgao em que uma palavra ocorre determinam consideravelmente o seu significado. Veja-se. por excmplo. o significado de homem nas seguintes frases: (5) 0 homem e urn animal racional. (6) 0 homem chegou a lua em 1969. (7) Os homens preferem as louras. (8) 0 homem acabou de chegar. (9) Urn homem nao chora. (10) Ela procura um homem que saiba japones. (11) EIa procura um homem que sabe japones. Em (5) a Ieitura de o hörnern e universal uma vez que o predicado ser um ananal racional se aplica a todos os homens. Em (6). duas leituras säo possi'veis: ou estamos a falar da especie homem ou estamos a falar de um homem cspeci'fico. Em (7). apesar do plural. temos uma fräse generica em que se fala dos homens em geral e em (8) a ünica Ieitura possfvel e a de se considerar um homem especffico. Mas em (9) e (10) um hörnern e interpretado de modo diferente pois a primeira destas frases e uma fräse generica enquanto em (10)um homem que saiba japones näo pode ser enlendido como especffico. podendo ate nem sequer existir tal indivfduo. Para se ver como o modo conjuntivo intluencia a Ieitura de um homem em (10) compare-se com (11) cm que o modo indicativo contribui para a sua Ieitura existencial. Como se pode ver. € essencial conhecer coneeitos e relagöes ao nfvel da semäntica frasica mas. embora esta area ja tenha largos anos de investigagäo. constitui ainda uma novidade para muitos. Esta necessidade e de algum modo veiculada no subdominio de semäntica frasica quando surgem muitas entradas associadas ao termo valor.J E assim que surgem entradas como "valor especffico / näo especffico /generico das expressöes indefinidos". "valor especffico das expressöes definidas". "valor de certeza /obrigafäo / possibilidade /probabilidade" ou ate "valor explicativo /restritivo das oragöes reiativas". Neste ultimo caso. e importante mencionar que näo parece muito relevante falar dos valores explicativo e restritivo das frases reiativas pois ha caracteristicas sintdeticas destas constru^öes que säo determinanles. Porem. hd uma diferenca de natureza semäntica nestas •' Em vez do termo valor. oriundo da iradi^äo franeesa. pareceria mais aiiequado o termo leiiura. por ser mais claro. isto é o contexto linguíslico interfere na leitura ou interpreta^äo final da palavra. e.vprcssäo ou frase. FATIMA OLIVEIRA constructs que é uma restricäo sobre o lipo de antecedente das explicativas: deve ser ref erencial e sobretudo uma expressäo definida. Mas este lipo de expressäo näo diz respeito exelusivamente a expressôes com artigos definidos (que alias podem ser de diversas nalurezas), mas sobretudo ä definicäo semántica de descricäo dellnida em que se postula a existencia do indivíduo e a sua unicidade e. por isso. apesar da sua diferenca. os nomes próprios sao também expressôes definidas. Neste sentido. é um lapso a terminológia näo ter uma entrada para 'nome proprio' na área de semántica pois esta tem contribuído claramente para a sua definicäo. Porém. na semántica ľrásica, há ainda um ouiro lapso muito importanie. que é a auséncia de entradas para 'quantifieador' e 'quantificagäo' pois säo conceitos muito complexos para cuja descricäo e explica^äo a semántica tem contribuído fonemente. näo se justificando por isso que só surjam no domínio da classe de palavras. Parece-me ainda diseutível que as questôes que se colocam na entrada "propriedades semánticas' tenham aqui lugar porque nesse caso muitas outras propriedades deveriam ser consideradas como. por exemplo. a natureza semántica dos argumentos dos predicados. Mas sobretudo os exemplos parecem pouco claros: a frase "perdi livro no caminho" näo é bem formada porque se trata de um nome contável no singular sem qualquer determinante ou quantificaeäo. Mas "enconlraram ouro na mina" já é bem formada porque. apesar de näo ter qualquer determinaeäo, ouro é um nome näo contável, mais propriamenie um massivo.4 Deixando para outra ocasiäo alguns temas que esta terminológia incorpora, focarei de forma breve esta dislincäo entre nomes contáveis e näo contáveis, que, sendo muito útil. é pouco desenvolvida na terminológia, lentando mostrar como a questäo da quantificaeäo é relevante. Tal como surge nesta terminológia, a diferenca entre nomes contáveis e näo contáveis costuma estar associada ä semántica frásica. mas na verdade lrata-se de um problema. pelo menos em parte, de semänlica lexical uma vez que se está a falar de tipos semánticos de nomes comuns. 2. Sobre nomes contáveis e näo contáveis Vamos assim ver brevemente que há nomes que säo contáveis e há os näo contáveis, fazendo parte destes Ultimos os nomes massi vos. Numa primeira abordagem podemos dizer que esta dislincäo está relacionada com o lipo de entidades que esles nomes podem designar. Mas se a sua dislincäo fosse só essa. talvez näo fosse muito interessante falar dela em linguística. No entanto, esta dislincäo tem consequéncias gramaticais importantes. Uma delas está relacionada com o plural: só os nomes contáveis podem ter plural, enquanto os näo contáveis näo tém. Quer islo dizer que se contamos os primeiros, medimos os segundos. em particular os massivos. E, ao dizer isto. já se está a falar de quantificaeäo. 2.1. Propriedades distiniivas Há duas propriedades que distinguem estes nomes e que säo as seguinles: cumulatividade e divisibilidade. Enquanto nomes massivos como água tém essas 1 Veja-se a cste respeito as definicôos da terminológia. SOBRIZ SEMANTIC A LEXICAL E SEMÁNTICA FRÁSICA propriedades. os nomes contáveis näo as tém. Isto quer dizer que se se dividir uma porcäo de água em duas panes, cada uma mantém as caracien'siicas da porcäo de partida e isso näo acontece com os nomes contáveis pois se dividir em partes uma cadeira cada uma delas näo é uma cadeira. Por outro lado, se se juntar água com água. o que se obtém é água enquanto o resuitado de uma cadeira maís uma cadeira é duas cadeiras. Por isso contamos paiavras como cadeira (duas, dez cadeiras.. mas também muitas, várias, algumas, lodas as cadeiras) mas medimos paiavras como água (/ Utro, um copo, uma calher de água mas também muita. pouca. toda a água). Mas. tal como se disse anleriormente. o significado das paiavras é potenciál. Trata-se, com eťeito. de uma das grandes riquezas das línguas: o conhecimento básico do significado permite que se operem mudan^as. obtendo significados derivados. Assim. é possível usar um nome contável como näo contável como é o caso de laranja em sumo de laranja ou batata em puré de batata cm vez de sumo de taranjas ou pure de batatas. Mas o inverso também é possível e muito mais frequcnte: podemos dizer dois cafés, duas águas, dois virihos, dois ferros. Mas este significado derivado só pode ser obtido no quadro de uma ťrase, Vejam-se os seguintes exempios: (12) Pode trazer-me dois cafés'1 (13) Queria dois chás. Um preto e outro verde. (14) Comprei dots vinhos excelemes. (15) Säo precisos dois ferros para sustentar esta coluna. Em (12)-( 15) estamos a ľalar de po^Ďes padronizadas contidas em recipientes. como em (12) e (13), ou näo, comoem (15). ou entáo estamos a falarde tipos diferentes de uma substancia como em (14) e eventualmente em (13). É isso que se está a contar e näo o nome propriamente dito. Quer isto dizer que os nomes contáveis reľerem entidades discretas e delimitadas enquanto os näo contáveis referem entidades näo delimitadas. Estas carae ten's tic as condicionam o tipo de quantifica^äo que se pode associar a estes nomes. que diverge consoante se está perante um contável ou nao contável. Assim, 1. Os nomes contáveis podem co-ocorrer com numerals e indefinidos: dois livros. poiicas árvores, muitas casas, demasiados problemas, muitas vezes... 2. Os nomes näo contáveis podem co-ocorrer com quantifi cad ores indefinidos näo cardinais: muita água, pouco acúcar. demasiada areia, bastante esforco, muita aiegria...1 Mas a distincäo entre estes nomes toma-se mais evidente quando se observa o seu comportamento em diferentes tipos de construe, ôes. Apresenla-se de seguida, embora de forma breve. alguns dos aspectos mais relevantes. a. Os nomes näo contáveis constroem-se sem determinante no singular como } Note-se que nos nomes näo contáveis se incluem também nomes que näo designam substantias mas nocůcs absiracias como csforfo, alegria. FATIMA 0L1VEIRA complementos verbais. Os contáveis, no singular, requerem em geral um determinante, como se pode ver nos cxemplos (16)-(19): (16) Isto é päo/*livro. (17) Prefiro chá /*mesa. (18) Quero caťé /*sapato. (19) Aqui há a^úcar /*flor. Neste sentido veja-se também que o contraste de pre sen g a/au sénc i a de quantiľicador permile disiinguir intcrprelacôes contínuas de descontfnuas, como em (20)-(22): (20) Quero päo /quero um päo. (21) Tens ovo na gravata / tens um ovo no prato. (22) Pediu mclao /pediu um meläo. b. Os nomes näo contáveis formámcotnplementos preposicionados sem determinante, como em (23). Em (24). esta distincäo leva-nos a entender que maca, sendo um nome contável (urna maca), pode funcionar como näo contávei: (23) Fiz a larte com acúcar /*/'?com cereja. (24) Fiz o bolo com which / fiz o bolo com uma maca. c. Os nomes näo contáveis näo admitem cardinais. a näo ser que sejam recategorizados em contáveis pois näo podem continuar a ser nomes de matéria c aceitar quantificacäo numérica, como já se viu nos exemplos (12)-(15). d. Em línguas como o portugués. os quantificadores associados a nomes contáveis tém, lipicamente. tracos de plural. É este traco que os distingue dos quantiflcadores associados a näo contáveis. Veja-se o contraste entre as duas versôes dos seguíntes exemplos. (25) a. Ele comeu muitas macäs. b. Elc bebcu muita água. (26) a. Ele tem bastantes Uvros. b. Ele tem bastanie ptiáéncia. e. Tanto os nomes contáveis no plural como os näo contáveis podem surgir associados 80 quantifieador nominal quantidade na medida em que esta palavra eslá também associada a numero, o que desde já indicia alguma aftnidade entre massivos e plurais pois (27c), em que o nome contável está no singular, näo é gramaticai: (27) a. Comprámos umů quantidade de livms. b. O Rui bebeu urna čerta quantidade de vinbo. c. *Comprámos mna cena quantidade de liviv. f. Os nomes contáveis admitem o quantifieador adjectival tneio, mas näo os näo contáveis, embora ambos aceitem metade. como se pode ver nos seguíntes exemplos: SOBRESEMÁNTICA ĹEX1CAL E SEMANTICA FRÁSICA (28) Só tenho dinheiro para meia casa /já decorei metade da casa. (29) *Fiz o bolo com meio acúcar I fiz o bolo com metade do acúcar.'' Porém. há nomes que. consoante o contexto linguíslico em que surfem, podem ser contáveis ou náo contáveis. como se pode ver nos exemplos que a seguir se apresentam em que presunto é nao contável em (30) e contável em (31):7 (30) a. Comi presunto/ muito presunto b. Há presunto? c. Cheira a presunto. d. Comeram metade do presunto. (31) a. Deram-lhe um presunto. b. Há 2 presuntos na despensa. d. Comeram meio presunto. Nessa medida. estes nomes podem usar ou náo nomes 'contadores* para os transformar em contáveis. Vejam-se os contrastes nos exemplos seguintes: (32) a. Comi um chocolate/ uma tabletě de chocoiate. b. Ele foi buscar um ferro/uma barra de ťerro. c. O Rui comeu um gelado /um copo/cone de gelado. Mas se alguns destes nomes podem ou náo sclcccionar nomes contadores para ocorrerem como contáveis. outros há que precisam desses 'contadores' para passarem a contáveis. como é o caso. a título exemplificativo, de acúcar. café. areia. arroz. ouro. platina nos exemplos seguintes: (33) a. Adocei o chá com um torrao / pacote de acúcar. b. Decorei o bolo com doze gršos de café. c. Vamos dar uns bagos de arroz aos pássaros. d. A Ana comprou dois lingotes de ouro.s 1 Esta distin^äo é semcHiame ao que so passa com htteiro c toda: (i) * Bcbi a água inteira / behi a água toda. (ii) Comi a maca inteira /comi a maca toda. A leilura de inteira que nos interessa aqui é a quaniiflcacional: comi a maca imeira: nuo dclxci nuda. Noie-so que inteiro no plurál perde a leitura quanlifieacional: com os bombans imeiros. Outros exemplns semelhantes a presunto: algoáao. bolo. ciiocolate, ferm. gelado. maca. pôo, pedra. qttcijo... '• Exemplos como (i) poderiam constituir urna objeecäo ao que se disse. No entanto. neste caso. os teus ouros refere objectos feilos de ouro. No entanto esta exprcssäo surge em eontexlos muito particulares pois (ii) parece pouco aceitdvel: (i) Ondc guardasle os teus ouros'! (ii) '.' Hoje comprci tres ouros. FATIMA OLIVEIRA Os nomes contínuos (ou näo contáveis) podem também combinar-se com 'nomes de nicdida' como. cntre outros, quilo, metro, litru. ano. minuti), que por sua vez podem combinar-se com quantifieadores, reslringindo-os: (34) a. Comprámos um quilo de farinha. b. Eles carregaram duas toneladas de feno. c. A Rita fez um vestido com cinco metros de lecido. Os 'nomes de medida'. contrariamente ao que acontece com os 'contadores'. podem também combinar-se com alguns plurais, como se pode ver em (35):9 (35) a. Fiz o sumo com me'to quilo de laranjas. b. Incineraram duas toneladas de despcrdiáos. c. Ela teve dois anos de desgostos. Mas estes nomes de medida podem também ser argumentos quantitativos de alguns verbos como medir. pesar. (36) a. Esta árvore mede dois metros. b. Este animal pesa urna tonelada. 2.2. Dos contáveis aos colectivos Há ainda nomes como grupo, série, manada. montäo, que designam grupos. Estes nomes sad. por vezes. considerados colectivos indeterminados na medida em que necessitam. como os outros. de um complemento sobre o qual quantificar tal como se pode ver nos exemplos seguintes em que a auséncia do complemento torna as ľrases agramaticais: (37) a. O miúdo disse urna série *(dc disparates). b. O professor trouxe um montäo *(de papéis). Esta característica distingue-os dos colectivos chamados determinados na medida em que designam grupos de entidades cuja natureza conhecemos: (38) a. O Joäo passeou com a família, b. As crianijas viram um rebanho. Porém. alguns destes nomes colectivos podem ser ambíguos entre urna interpretagäo como colectivos e como nomes de quantificaqäo como os exemplos em (39) mostram. Enquanto em (39a) exército é um nome colectivo, em (39b) ocorre uma expressäo quuniificacional. Estamos assim novamente perante um caso em que a construc^o em que 9 É important nolar que meta quilo de laranjas i diferente de trés laranjas puis irés dá urna informacäo cardinal enquanlu um quilo dá informáciu de quantidade mas näo de cardinalidade. SOBRE SEMÁNTICA LEXICAL E SEMÁNTICA FRÁSICA uma determinácia palavra ocorre altera a sua nalureza semántica apresentando por isso lambém consequents sintácticas. (39) a. O exército foi para as monianhas. b. Ali vem um exército de ctiriosos. Do ponto de vista semántico. os nomes colectivos parecem. num primeiro momento. comportar-se como os nomes de indivíduos no plural, embora os colectivos possam cstar também sujeitos ao plural como é o caso. a título exempliiicativo de exéreitos.famílius. rebanhos. As semelhancas entre plurais e colectivos pode ser observada em alguns casos como seja no contexto da preposicäo entre, de predicados com plurais colectivos como reunir ou ainda no contexto do adjectivo iwmeroso. Vejamos entäo o primeiro caso cm que se apresentam exemplos com a preposicäo entre, que exige pluralidade: (40) a. A carta está entre os livros. b. Ela gosta sempre de eslar entre amigos c. Deixaste-me entre a espada e a paredc. (41) a. O jornalista estava entre o publico. b. Há i n sat Í s fei tos entre o exército. c. Ainda há indecisos entre o eieitorado. Nos exemplos em (40) a preposicäo entre ocorre com plurais marcados morfologicamente como em (40a) e (40b) ou pela conjuncäo de dois sintagmas nominais como em (40c),tu Mas em (41) publico, exército e eieitorado säo nomes colectivos. Isto mostra que neste contexto tanto nomes contáveis no plural como colectivos podem ocorrer. Assim. palavras como inobiiiário, pwgramacäo, producäo ou ainda expressôes como opiniôo publica, terceira idade podem co-ocorrer com a preposicäo entre. enquanto basque ou avalancha näo podem. Considere-se agora os predicados com plurais colectivos como reunir. combinar ou agntpar. Tal como acontece com plurais, como em (42a), também os colectivos podem ocorrer nestcs contextos quer no singular, quer no plural: (42) a. Oj mcmbros da família reuniram-se. b. A família reuiiiu-se. c. Asfamilias reuniram-se. Por ultimo, também o adjectivo numeroso constitui urn bom teste para captar semelhancas entre os plurais e os colectivos. Vejam-se os seguintes exemplos em que (43a), 10 O tcmw sbttagma nominal aqui utilizadocorrespoiide ;i gräpä nominal na terminológia. FATIMA ÜLIVEIRA com um nome contável no singular, é agramaiical mas (43b) e (43c) säo bem formados enquanto (43d) é de aceitabilidade duvidosa: (43) a. *Aqui temos uma estráda numerosa. b. Os livros adquiridos säo numerosos. c. Aqui temos um publico numeroso / urna família numerosa d. ?? Esta é uma biblioteca numerosa. Relalivamente a numeroso. é importante notár que, no plural, é um quantificador se usado em posicjio pré-nominal (cf. (44a)) enquanto em posi$äo pós-nominal (cf. (44b)) tem a leitura atribuída anteriormente: (44) a. Apareceram numerosas famílias na festa, b. Apareceram famílias numerosas na festa. Porém. apesar das afinidades. os colectivos também se distinguem dos plurais. Veja--se o que se passa no contexto de relacôes anafóricas como nos exemplos seguintes: (45) a. Os noivos compraram um carro. b. O casal comprou um carro. (46) a. As criancas tém urna conta poupanga. b. A família tem uma conta poupan^a. Tanto em (45a) como em (46a) os nomes no plural tornám possível duas leituras. a distribuliva e a colectiva. No primeiro caso os noivos ou as criancas podem ter comprado urn carro ou ter uma conta poupan^a cada urn. havendo assim tantos carros ou contas poupanga quantos os noivos ou as criancas. Na segunda leitura os noivos compraram urn carro em conjunto c as criancas tém uma conta poupanga em conjunto, havendo neste caso so um carro ou só urna conta poupanqa. No entanto. em (45b) e (46b). pelo facto de se (ratar de nomes colectivos. só a leitura colectiva está acessível. Por ultimo, veja-se ainda como os plurais sc podem diferenciar de colectivos no contexto dos adjectivos simétricos: (47) a. Os mitidos eram parecidos (urn com o outro) b. *0 par era parecido (urn com o outro) Em jeilo de conclusäo, pretendeu-se neste texto enunciar as vantagens de uma terminológia orientadora. apesar de apresentar alguns problemas. Esta terminológia tem a vanlagem de unificar a utilizagäo de um instrument de trahalho fundamental para conduzir os alunos na sua reflexäo sobre a lingua, o que é de crucial importáncia näo só pelos conhecimentos que podem adquirir mas. sobretudo. por poder ser formativa no sentido de levar a urna atitude de rigor, experimentacäo e aquisicäo da capacidade de. com base na observagäo dos dados, se procurer estabcleeerregularidades e fazer generalizagôes. Porém. uma terminológia é apenas um inslrumcnto de trabalho. sendo necessário investir fortemente nos conhecimentos obtidos em muitos anos de investigagäo em linguística e também nas metodologias utilizadas. Assim. numa segunda parte abordou-se um dos temas introduzidos SOBRE SEMÁNTICA LEXICAL E SEMÁNTICA FRÁSICA na terminológia e tentou mostrar-se como proceder para distinguir linguisticamente os nomes contáveis dos náo contáveis assim como estabelecer algumas relacôes com a eomplexa questäo da semántica dos plurais e também com os colectivos. BIBLIOGRAFU Duarte. 1., 2001, Língua Pnriuguesa. Instmmcnios dcAnálisc. Lisboa. Uni versidade Aberta. Duarte. I. & F. Ouveika. 2003, "Referencia Nominal" in Matcus, M. H. el «/.. Gramática da Lingua Pnrtugitesa. Lisboa. Ed. Caminho. pp. 205-242. Oliveira. F.. 1996. "Semánlica" in Faria, I. H. et al. (orgs.). Immdiifän ä Linguistica Geral e Ponuguesa. Lishoa. E(L Caminho. pp. 333-382.