SBORNÍK PRACÍ FILOZOFICKÉ FAKULTY BRNĚNSKÉ UNIVERZITY STUDIA MINORAFACULTATIS PHILOSOPHICAE UNIVERSITATIS BRUNENSIS L 27, 2006 IVA SVOBODOVÁ O VALOR ESTILÍSTICO DO ARTIGO EM LINGUAGEM JORNALÍSTICA A presente análise faz parte de uma investigacäo linguística concernente ao problema do uso, valor e funcäo do artigo gramatical na lingua portuguesa e näo poderia ser escrito sem nos darmos conta de determinados ángulos sob os quais a linguagem pode ser definida e que, na presente análise, seräo levados em consideracäo. Basear-nos-emos sobretudo no princípio de que a linguagem näo representa uma entidade uniforme, desdobrando-se näo só numa multiplicidade de normas micro-linguísticas (fonéticas e fonológicas, sintácticas, morfológicas, semänticas, etc.) mas também numa série de normas estilísticas que consistem na organizacäo e seleccäo de palavras correspondentes ao carácter da enunciacäo e ä estratégia de comunicacäo. Será precisamente esta variabilidade estilística da linguagem que constituirá o principal tema da presente análise, no ämbito da qual nos concentraremos no estudo de valores estilísticos que pode apresentar o artigo gramatical em linguagem jornalística. O valor estilístico, denominado dentro da terminológia linguística estilema, é, geralmente, definido como a capacidade de uma palavra de expressar, de uma forma marcada, a realidade (chamemos este valor o valor expressivo), mas, pode ser percebido também como um meio linguístico que caracteriza e isola um de-terminado registra linguistico (em nosso caso tratar-se-á da linguagem jornalística). A fronteira entre as duas concepcôes do valor estilístico, como veremos em alguns casos, näo será univocamente delimitada porque veremos que existem determinados valores expressivos ou estilísticos do artigo que regularmente apa-receräo na linguagem jornalística sob determinadas circunstáncias. Recordemos, no início, as suas funcôes principais, sobre as quais existem va-riadas teorias, sendo de releväncia, para a nossa análise, as duas seguintes: a clas-sificacäo das funcôes do artigo vinculada aos chamados processos de determina-cäo que constituem um dos factores semäntico-pragmáticos em „Gramática da Lingua Portuguesa". Trata-se das funcôes de individuacäo, atributiva, específica, partitiva, genérica distributiva e näo distributiva do artigo que sinaliza e compar-ticipa na criacäo do conteúdo semäntico completo do substantive Chamaremos a esta funcäo determinativa. A segunda teória refere-se ä capacidade do artigo 70 IVA SVOBODOVÁ gramatical de entoar o substantivo de matizes expressivos como säo a familiarida-de, afectividade e sentimente, intensificando a qualidade ou quantidade expressa pelo substantivo. Chamaremos a esta funcäo expressiva (ou estilistica), sendo que um dos poucos autores, que se tem dedicado a esta problemática, é Manuel Rodrigues Lapa, que em sua obra „Estilistica da lingua Portuguesa" evidencia e descreve uma série de tracos estilisticos que o artigo tem a capacidade de revelar. Näo obstante, a obra citada näo contém uma especificacäo completa do uso do artigo em diferentes registros linguisticos, motivo que me levon a orientar a nossa análise para um tema täo especifico como é o uso do artigo em linguagem jorna-listica escrita. Analogamente com a linguagem que näo pode ser concebida como uma entidade uniforme, também a linguagem jornalística apresentauma rica diversidade de generös; desde a linguagem de notícias cuja funcäo é transmitir informacöes puramente objectivas sobre os acontecimentos e factos actuais, até a linguagem dos textos de opiniäo cuja funcäo é comentar, criticar e analisar os acontecimentos o que implica o uso de expressöes subjectivas do autor. Tal variedade de textos jornalísticos será essential para o objectivo da nossa análise: da observacäo do comportamento do artigo na linguagem de notícias que é próxima da linguagem científica por carecer de expressöes emotivas, hiperbólicas, laudativas ou vulgares, passaremos a estudar as peculiaridades que o artigo gramatical relevanos textos jornalísticos de opiniäo: crónicas, cartas ao director, opiniöes públicas, coloridas por expressöes de avalia-cäo, metáforas, alegorias e um tom ligeiramente coloquial. Outro ponto de partida em que se baseará a nossa análise será a organizacäo vertical (gráfica) e horizontal (hierarquizacäo das informacöes transmitidas) do texte escrito. No ambite da organizacäo vertical do texte será considerada a co-locacäo do foco informational e do foco contrastivo e a sua influéncia no uso do artigo. A maior parte da nossa análise será dedicada, näo obstante, ao uso do artigo em diferentes partes da estrutura gráfica do texte (hierarquizacäo horizontal): títulos, antetítulos, subtítulos e leads já que é um factor que exerce uma importan-te influéncia no uso do artigo. Resumindo, o objectivo da nossa análise será descrever e explicar näo só as regularidades do uso do artigo em linguagem jornalística, mas também tentar destacar aquelas assimetrias e peculiaridades que o artigo apresenta dentro dela. O material linguístico escolhido incluirá textos jornalísticos de vários generös jornalísticos. Os factores levados em consideracäo durante a nossa investigacäo seräo os seguintes: a) Hierarquizacäo horizontal e vertical do texte b) Género jornalistico do texte analisado c) Funcäo sintáctica e classificacäo semäntica dos substantivos acompanha-dos pelo artigo Abordando o tema do uso do artigo nos títulos jornalísticos, levaremos em consideracäo dois factores relevantes: 1. o factor semäntico e sintáctico dos substantivos que constituem o título e 2. o género do texte jornalistico introduzido 0 VALOR ESTIÜSTICO DO ARTIGO EM LINGUAGEM JORNALISTICA 71 pelo titulo analisado que pode determinar o uso do artigo definido, indefinido ou zero. Analisaremos a possivel diferenca existente entre o uso do artigo nos titulos que introduzem os generös de banca (noticias, sinteses) e os de opiniäo (editorials, bilhetes, crönicas, artigos de anälise, criticas e cartas). Comparemos, por exemplo, os seguintes titulos jornalisticos que introduzem os titulos de diferentes textos de noticias: Testemunha preocupa medicos Correio da Manhä, 14-8-2005 Medico segura coragäo de bebe Correio da Manhä, 14-8-2005 Grecia: Aviäo cipriota despenha-se com 121 Publico, 30-7-2005 pessoas a bordo Operagäo „Idae volta": seis mortos e 22 feridos Publico, 30-7-2005 graves...; Trabalhadores despedidos seräo readmitidos Didrio de Noticias, 14-8-05 Repare-se, em primeiro lugar, que os substantivos: medico, coragäo, aviäo, operagäo, trabalhadores representam individuos ou objectos concretos, situacäo. em que costumam ser, num discurso comum, acompanhados por artigo que com-participa nos processos da determinacäo de individuacäo ou de especificacao. Näo obstante, as regras concernentes ao uso do artigo nos titulos jornalisticos exigem o uso do artigo zero sem ser levado em consideracäo o factor da classifi-cacäo semäntica de substantivos. E este um primeiro traco estilistico que o artigo apresenta na linguagem jornalistica, ou seja, um estilema isolado que caracteriza e isolaum determinado tipo de linguagem. Näo se entenda, neste caso, o estilema como a capacidade de o artigo zero de expressar, de um modo expressivo e mar-cado, uma realidade mas perceba-se apenas como a regularidade do uso do artigo zero que caracteriza os titulos jornalisticos com um sentido semäntico absoluta-mente vazio. E de realcar que o factor da funcäo sintäctica do substantivo estätambem posto aparte, como podemos registar nos titulos onde os substantivos em funcöes de sujeito, complemento directo e complemento adverbial carecem do artigo: a) sujeito (Publico, 30-07-05) EUA tentaram impedir saida de artigo sobre bioterrorismo Canada aprovou casamentos entre pessoas do mesmo sexo Marrocos leva a tribunal a porta voz do mais poderoso movimento islamista Belgica culpa dois ruandeses de genocidio Taliban reivindicam ataque contra helicöptero militar norte-amerivano no Afeganistäo SEF contra nova lei da nacionalidade (Servigo de Estrangeiros e fronteiras) (Correio da manhä 14-8-2005) Papa quer re for gar igreja Santudrio pede decencia 72 IVA SVOBODOVÁ Repare-se que os substantivos em letras gordas säo acompanhados por artigo omitido, inclusive no caso de se tratar de topónimos, nomes de países, nomes de instituicöes, partidos políticos, organizacöes e cargos desempenhados por pesso-as concretas. b) coplemento directo Também os substantivos em funcäo do objecto (complemento) directo säo acompanhados pelo artigo zero, apesar de sérem usados, dentro do texto proprio encabecado pelo título analisado, com o artigo definido. Repare-se que o factor da classificacäo semántica está, novamente, posto aparte. Título: Presidente da ERSpoderá apresentar demissäo Texto: O presidente da Entidade Reguladora da Saude (ERS), Rui Nunes, deve-rá apresentar a demissäo apartir de hoje,findo oprazo dado... (Publico; 30-07-2005) Título: Liedson apresenta-se e abre porta á renovagäo do contrato o melhor marcador da Super Liga Texto: ...mostrou-se confiante ... e abriu a porta á renovagäo de contrato com os „ leöes " (Publico; 30-07-2005) Este facto prova, mais uma vez e mais intensamente, a existéncia do valor es-tilístico do artigo zero em linguagem jornalística, näo do ponto de vista da capa-cidade de exprimir uma realidade de um modo expressivo (sendo a significacäo semäntico do artigo zero absolutamente vazia), mas do ponto de vista de ser a unidade minima que permite identificar e isolar em determinado estilo (no nosso caso trata-se da técnica e do estilo de formacäo de títulos). c) adjunto adverbial Uma regularidade do uso do artigo zero pode ser verificada também na funcäo dos adjuntos adverbiais iniciados, sobretudo, com as preposicöes contra, sobre, em e por. Esta regularidade é característica näo só para os títulos mas também para os leads e para o proprio texto: Publico, 30-06-2005 Taliban reivindicam ataque contra helicóptero militar norte-americano. Sampaio contra invocagäo do seu pensamento Relatório sobre incendio deMortágua apresentado „dentro de dias Agores Detido por abusos sexuais Mortandade de peixes no rio Lis causado porpoluigäo orgänica Repare-se, que o artigo zero pode apresentar diferentes valores semänticos, desde um valor semäntico absolutamente vazio que faz parte dos títulos jornalís-ticos até um valor matizado sentimental, pejorativa ou admirativamente. Vejamos 0 VALOR ESTILÍSTICO DO ARTIGO EM LINGUAGEM JORNALÍSTICA 73 os seguintes casos em que figurám substantivos abstractos com o artigo zero que comparticipa na intensificacáo da qualidade do substantivo: os exemplos citados náo sáo tirados dos jornais mas. Sáo usados aqui para exemplificarem o auténtico valor estilístico do artigo zero: -A mořte é conversa de velhos... (Bernardo Santareno, O Duelo, pg. 92) ... náo se cansava ele de te chamuscar os ouvidos com choradeiras, prontes-sas... e mais isto e mais aquilo.... (Agustina Bessa Luis, O Mosteiro, pg. 30) 5*ópensam em sexo eporcaria ... (CD, Portugués falado, A Juventude ontem e hoje) Pois é, eu gosto da minhaMari Clara assim: é lunte brando, candeia de azei-te... , lunte de igreja, lamparina de alumiar os mortos.. (Bernardo Santareno, O Duelo, pg. 125) Comparativamente com os títulos jornalísticos, sáo estes os casos onde. „...o substantivo sem artigo faz mencáo mais da qualidade que do objecto, tem dentro dele uma funcáo de adjectivo, pois que compete sobretudo ao adjectivo a deter-minacáo do estado e da qualidade... .a auséncia do morfema comunica á expres-sáo certo tom entusiástico e admirativo, dá-lhe um timbre levemente sentimental .." (M. Lapa, 117). Ao contrário dos títulos de notícias e comunicados, verificamos um uso di-ferente nos leads, onde o artigo pode figurar com os substantivos em todas as suas funcoes sintácticas. Este facto pode ser explicado pelas regras da linguagem jornalística que definem os títulos de notícias como títulos concretes, eminente-mente informativos, curtos e concisos, o que abre a porta a violéncias gramaticais como a omissáo de algumas partículas, entre as quais se encontra o artigo. Por outro lado, os leads sáo mais longos por conterem mais informacoes, sendo o ob-jectivo principal destes incentivar a curiosidade do leitor apelando á leitura do texte. Os leads que iniciam as notícias, tem, consequentemente, um maior espaco para o uso de artigo, sendo a sua principal funcáo a funcáo determinativa. O valor expressivo do artigo gramatical raramente aparece tanto nos títulos de notícias e comunicados como dentro do texte, já que uma das regras concernentes á ética do jornalista consiste em transmitir a informacáo ao leitor, o mais objectivamente possível. Apesar de o uso do artigo nos leads ser muito mais frequente que nos títulos, verificamos que existe uma čerta assimetria relativamente a esta questáo. Vejamos os seguintes exemplos, onde figurám nomes idénticos tanto do ponte de vista da funcáo sintáctica como do ponte de vista do domínio publico: Título: Taliban reivindicam ataque contra helicóptero militar norte-americano no Afeganistao 74 IVA SVOBODOVÁ Lead: Exercito dos EUS admite que „fogo hostil fez cair o aparelho; nao ha sobreviventes entre 17pessoas a bordo. {Publico, 30-7-2005) Compare-se com: Titulo: EUA anunciam fim da operagdo „Punho de Ferro" Lead: O exercito dos EUA anunciou ontem o fim de uma das suas quatro ofen-sivas no Oeste do Iraque... {Publico, 30-7-2005) Uma outra peculiaridade que o artigo apresenta no ambito da linguagem dos titulos jornalisticos, e a de poder figurar tanto no titulo como no lead, como e evidente no seguinte caso. Titulo: O brago-de-ferro entre o Governo e os seus deputados Subtitulo: A resistencia nunca foi declaradamente aberta, mas socialistas nao pararam enquanto nao encontraram uma solugdo de recurso para a pro-posta {Publico, 30-7-2005) Repare-se que o denotatum dos dois substantivos em funcao do sujeito e iden-tico e que existe, entre os dois substantivos, uma relacao de metonimia. Uma especial atencao merecem os titulos que encabecam os editorials, bilhe-tes, cronicas, artigos de analise, criticas e cartas, que representam o genero jor-nalistico de opiniao e que sao caracterizados pelo uso de expressoes subjectivas, sendo neles o uso do artigo com um valor tanto determinativo como expressivo muito mais comum. Vejamos os seguintes exemplos que representam titulos de textos de opiniao publica: Correio daManha, 29-08-2005: O criador e as pobres criaturas O milagre das cegonhas Jornal de Noticias, 29-08-2005: Sentir o prazer de outras dguas Publico, 30-07-05: Um „ discurso que nao muda nada " Um „ britdnico nao tern de mostrar papeis " Observe-se que logo nos titulos reconhecemos que o objectivo do autor do texto nao sera apenas transmitir ao leitor uma pura informacao mas expressar e visualizar, por meio dela, uma opiniao subjectiva sua acerca do tema tratado. O objectivo des-te tipo de textos jornalisticos e reflectir sobre a informacao, recordar a importancia duma pessoa ou de um fenomeno, sendo o artigo capaz de intensificar e compartici-par na criacao do seu significado, tanto positivo como negativo logo no titulo. 0 VALOR ESTILÍSTICO DO ARTIGO EM LINGUAGEM JORNALÍSTICA 75 Voltando á esta significacáo semántica do artigo zero predominante em lingua-gem jornalística consiste na sua interpretacáo partitiva ou genérica. Náo obstante, estas funcoes do artigo podem apresentar diversos usos do artigo. Definamos, nos seguintes dois parágrafos, a funcáo do artigo como funcáo determinativa, já que náo contém nenhuns semas expressivos apontando só para uma extraccáo partitiva ou totalitária de uma parte de um determinado conjunto-base. 1. A funcáo partitiva do artigo consiste no facto de o substantivo denotar uma quantidade indefinida. Manuel Rodrigues Lapa explica esta funcáo com base na comparacáo das duas oracoes seguintes: 1. F.ensina modernos processos de lei tura que pode ser interpretada como F.ensina alguns processos de leitura (ou seja. um conjunto indefinido ou alguns dos processos modernos de leitura - funcáo partitiva). F.ensina os modernos processos de leitura onde encontramos um sen-tido de totalidade, de conjunto definido, expresso pelo artigo definido. 2. O artigo zero pode atribuir ao substantivo um sentido genérico do substantivo, realcando a qualidade e característica do referente representado pelo substantivo. O valor genérico do artigo zero é evidente, por exemplo, na frase seguinte: Homem náo é o mesmo que dizerherói nem santo (M.R. Lapa,. 115). Nesta frase é a qualidade do homem que capta a atencáo do leitor, perceba-se: As fraquezas do homem nem sempře fazem dele um herói ou um santo. O valor genérico pode ser também expresso pelo artigo definido utilizado numa frase como: O homem é mortal. Comparativamente com a frase anterior, náo obstante, o valor genérico remete mais para a quantidade do que para a qualidade, pelo que a frase podia ser substituída por: Todos os homens sao mortais. Náo obstante, o artigo zero pode apresentar um valor genérico implicando, ao mesmo tempo, um significado de sentimentalidade que realca a qualidade e característica de um objecto ou de uma pessoa representada pelo nome. Omitindo o artigo, consegue-se uma expressáo concisa, enérgica e dramática. Este facto vé-se melhor em oracoes exclamativas para as quais é típica a omissáo do artigo nos sintagmas nominais o que leva á expressáo de uma admiracáo, euforia, dor, etc. Linda flor! Bela flor! Triste vida! Voltando ás regularidades que o artigo zero apresenta na linguagem jornalística, reparemos que existe uma forte funcáo estilística do artigo nas seguintes frases em que os substantivos sáo acompanhados pelo determinante zero cujo sentido ou pode ser genérico (nas primeiras duas frases) ou partitivo (nas últimas duas frases): 7. Em Israel, longas filas de automóveis ficaram paralisadas á hora de ponta gragas aosprotestos dos colonos e outros opositores da retirada... (Publico 30-06-2005) 2. Raptos de ocidentais, tiroteio sobre a Cruz Vermel ha, lutas entre facgdes. E a sirene da síndroma Bagdad em Gaza. (Publico 17-08-05) 3. Música, humanismo e política numa grande encenagáo do que é a música 76 IVA SVOBODOVÁ rock para multidöes na sociedade da comunicagäo. Ao longo de mais de duas Horas de concerto, os U2 foram grandes, no dia em que se disseram Portugueses (Publico 17-08-05) 4. Faixa de Gaza: Tensäo e lágrimas nas primeiras horas da evacuagäo dos colonatos... (Publico 15-08-2005) Cada uma das funcöes do artigo, seja partitiva seja genérica, säo estreitamente vinculadas com o valor expressivo do substantivo, o qual é tanto mais intenso quanto mais atípica é a posicäo em que se encontra. Como vemos nos casos ci-tados acima, o artigo zero faz em todos os quatro casos parte de um sintagma nominal em funcäo do sujeito que repre senta o foco informacional da oracäo. Este é um caso, que apresenta uma evidente assimetria em portugués contempo-ráneo por duas razöes. Primeiro, o foco informacional costuma ser colocado na periferia direita do verbo e segundo, uma informacäo nova devia ser introduzida no discurso por um artigo indefinido. Infira-se que tal assimetria que consiste na colocacäo do foco informacional no inicio da oracäo e no uso do artigo zero apresenta, como todas as assimetrias existentes em linguas naturais, um meio expressivo introduzindo, num tom dinämico e dramático, a descricäo da atmosféra e das circunstäncias em que ocorreu um acontecimento. Resumamos as caracteristicas semänticas do artigo zero que temos apresentado até agora: trata-se da significacäo semäntica absolutamente vazia, opostamente ä qual encontrámos uma forte significacäo expressiva. Falta realcar que o artigo zero pode ter ainda um carácter neutro, que perceberemos melhor caso ponhamos em relacäo de dicotomia o artigo zero e o artigo indefinido. Razäo, pela qual utilizamos no título o termo de neutralidade consiste precisamente no facto de o artigo indefinido exprimir em caso de substituicäo, subjectividade e sentimento e de atribuir ä oracäo uma maior intensidade e energia, enquanto o artigo zero, em construcöes idénticas, exprime uma significacäo neutra sendo que o artigo indefinido. 7. a Guarda Nacionál é tutelada pelas autoridades estaduais e pode exercer ac-göes de policiamento, ao contrario dos militares reguläres, que estäo proibidos por lei de impor a ordern publica em espaco civil (Correio daManha; 04-09-2005) 2. ... Emidio Guerreiro herdou a vocagäo do ovopaterno ... que com um sorriso, quase riso definido como „o hörnern dos sete instrumentos: musico, alfaiate, ta-manqueiro, factor dos correios, lavrador de courela... (Publico, 30-06-2005). Infira-se, com base no que foi escrito sobre os generös jornalisticos, que para os textos de notícias e comunicados será típico o uso do artigo zero na oracäo o que podia ser, talvez, explicado pela ética do jornalista de transmitir objecti- 0 VALOR ESTILÍSTICO DO ARTIGO EM LINGUAGEM JORNALÍSTICA 77 vamente a informacáo ao leitor. Ao mesmo tempo, o valor expressivo do artigo indefinido surgirá com maior frequéncia em textos de opiniáo, reportagens, cró-nicas e outros géneros de opiniáo. M. Rodrigues Lapa reflecte sobre a relacáo de dicotomia (neutralidade x sub-jectividade) do uso do artigo indefinido e zero com os nomes acompanhados de atributos (pág. 124): ,J±ste emprego variado e subtil do artigo indefinido tenise estendido irregularmente a outros casos, nao autorizados pelos puristas que, sempře com os olhos nos Clássicos, desejariam ver a lingua no estado em que a deixaram um Antonio Vieira ou um Manuel Bernardes. Um Clássico escreveria assim: „Pareceu-me aquilo sinal de pesar". Nós introduzimos hoje mais energia na frase, dizendo, com o artigo: 'Pareceu-me aquilo um sinal de pesar". Mas ainda há hoje escritores que, levados por um exagerado conceito do purismo, mantém o uso clássico da lingua, tornados da verdadeira fobia pelo artigo indefinido. " Relativamente as funcoes do artigo indefinido no estilo jornalístico, será con-veniente compararmos os sentidos e os valores do artigo indefinido nas seguintes oracoes: 7. ...um dos trogos do IP 4, itinerário que liga o Porto a Braganga, tem curvas que nao cumprem as normas de seguranga por sérem muito apertadas, próximas uma das outras e com uma velocidade maximapermitida muito elevada... (Publico; 30-06-2005) 2. Num tom sóbrio e linguagem simples, o Presidente assinalou os feitos mi li tares epolíticos que encorajam a Administragao... (Publico, 30-06-2005) 3. Bush fez um emocionado apelo á paciéncia dos americanos, numa altura e que as sondagens revelam um crescente descontentamento nacionál com a forma como a Administragao está a conduzir a intervengáo no território. ... (Publico, 30-06-2005) Enquanto, na primeira oracáo o artigo indefinido sinaliza uma ideia de proxi-midade, no segundo e no terceiro periodo a sua funcáo é descrever o nome e in-troduzi-lo no subconsciente do leitor sendo, no terceiro caso, reforcada, num tom emotivo, a qualidade do adjectivo, intensificada pela sua anteposicáo ao substan-tivo, expressáo estilística típica nao só para os textos de opiniáo mas sim, também para os textos de notícias. Comparemos as seguintes frases, onde nos primeiros dois casos a funcáo do artigo indefinido será determinativa, consistindo numa extraccáo de uma parte de um conjunto-base sem nenhum especial valor estilístico, e onde nas ultimas duas frases, será evidente uma forte entoacáo expressiva: a) funcáo genérica ou de quantificacáo universal As autoridades norte-americanas também formalizaram hoje um pedido de ajuda ao Canada, solicitando camas, cobertores, medicamentos e equipas es- 78 IVA SVOBODOVÁ pecializadas em salvamento marítimo, capazes de operar numa cidade inun-dada. (Correio da Manhä, 04-09-2005) b) funcäo intensional, quando o substantivo näo estabelece nenhum referente A Administragäo do presidente George W. Bush iniciou hoje o contra-ataque pela conquista de uma opiniäopublica favorável. (Correio da Manhä, 04-09-2006) c) funcäo extensional, quando o substantivo estabelece um referente que constitui umaparte näo identificada de um determinado conjunto considerado (no seguinte exemplo do conjunto-base decréscimo) Já as drogas sintéticas, como as anfetaminas e o ecstasy, sofreram um decréscimo ... (Correio da Manhä, 04-09-2006) d) funcäo partitiva que consiste na extraccäo de uma parte singular, näo definida, de um dado conjunto: Trés fotógrafos andaram por Portugal em 2004 para suprir uma lacuna de dez anos na Magnum, que näo tinha imagens do pais a partir de 1995. Um deles foi Josef Koudelka, um dos mais reputados fotojornalistas do mundo (Publico, 30-06-2005) e) funcäo expressiva. Bush fez um emocionado apelo á paciéncia dos americanos, numa altura e que as sondagens revelam um crescente descontentamento nacionál com a forma como a Administragäo está a conduzir a intervengäo no território. ... (Publico, 30-06-2005) f) funcäo expressiva com o nome proprio De tudo isto, é o ataque brutal de Chirac o mais grave, mesmo com um Chirac no fim da sua carreira e ä procura de bodes expiatórios. (Publico, 30-06-2005) Realcemos que os Ultimos dois casos säo idénticos, mostrando o artigo in-definido uma forte significacäo expressiva. Manuel Rodrigues Lapa considera o artigo indefinido como um meio que atribui a firase um sentido de inexactidäo, enigma, ideia vaga, ou sej a fenómenos vinculados com a apreensäo intensa e sentimental da realidade. A aplicacäo do artigo com este valor emotivo pode surgir igualmente nos títulos que introduzem textos de opiniäo: "O adeus de um hörnern de barricadas (Publico; 30-06-2005), O título encabeca uma reportagem sobre Emídio Guerreira, um guerrilheiro que lutou por democracia. Näo se trata, portanto de uma pura notícia, mas sim, de um relato autobiográfico com uma série de expressöes emotivamente entoadas. Um caso semelhante ocorre no seguinte título jornalístico que introduz um texto de opiniäo: Um "británico näo tem de mostrarpapéis" (Publico, 30-06-2005), que encabeca uma crónica em que o autor trata da näo obrigacäo dos britä- 0 VALOR ESTILÍSTICO DO ARTIGO EM LINGUAGEM JORNALÍSTICA 79 nicos de apresentar bilhetes de identidade a pedido da policia enquanto que os Portugueses tem tal obrigacäo. O artigo indefinido alem de apresentar um valor genérico, entoa a frase de forte expressividade acentuando, por meio do artigo indefinido, um carácter qualitativo de todos os británicos. Em títulos de notícias, alem do artigo indefinido e do artigo zero, verificámos também a existéncia do artigo definido. O seu uso, náo obstante, é reservado ex-clusivamente para referir assuntos já conhecidos do publico ou para indicar im-plicitamente exaustividade. Limitar-nos-emos, na ultima parte da nossa análise, a demonstrar aquelas assimetrias que o artigo apresenta relativamente ao que já foi dito nos capítulos anteriores da nossa análise. Apesar de ter tido dito que nos títulos de notícias sáo violadas as regras gra-maticais que consistem na omissáo de artigo em funcöes sintácticas onde o artigo deveria figurar como determinante, há casos onde o artigo definido é utilizado, indicando exaustivamente todo um dado conjunto-base do substantivo ou trans-mitindo informacao que já é do domínio publico: Comparemos os seguintes exemplos: ''Foi desconvocada a greve da CP que ontem instalou o caos nos acessos á cidade de Lisboa (www. boce. ubi.pt) onde a greve já é do domínio publico, sendo o foco informacional náo a greve, mas o facto de elaterterminado. "As viagens-fantasma dos deputados " (www. boce. ubi.pt) é um título que indica que o jornal falará exaustivamente de todas as viagens-fantasma que se apurou térem os deputados feito. Comparativamente com o artigo indefinido, o artigo definido nunca se utiliza junto de nomes próprios, por duas ordens de razöes: se o jornalista de facto co-nhece intimamente a personagem, está a exeluir deliberadamente o leitor; se náo o conhece e se lhe refere dessa forma, é bacoco, ora um dos primeiros deveres do jornalista é apagar-se deliberadamente do acontecimento. Verificámos ainda o uso do artigo definido com o substantivo em casos em que se trata de um cargo concreto desempenhado por uma pessoa conereta ou em títulos mais longos: Marrocos leva a Tribunal a porta-voz do mais poderoso movimento islamista Naia Yassine, filha do xeque que lidera o grupo Justiga e Beneficéncia, é acu-sada de „atentendo á monarquia) {Publico, 30-06-05) Há tendéncias para utilizar o artigo definido também com os nomes de certas instituicöes, tais como sáo, por exemplo: O Governo, o Tribunal, e com certos termos económicos, como por exemplo o défice: Recondugáo já vinha do Governo PSD (Correio da Manhá, 07-09-2005) Granja pondera processor o Estado {Correio da Manhá, 07-09-2005) 80 IVA SVOBODOVÁ Advogado de Silvino pediu ao tribunal que autorize jornalistas a ouvir viti-mas {Publico, 30-06-2005) Bispos dizem que combate ao défice ameaga „penalizar" os mais sacrifica-dos; (Publico, 30-06-2005) Existe também, certa instabilidade no uso do artigo em funcöes outras que näo de sujeito. Veriŕicámos que os nomes de países podem aparecer com o artigo definido, especialmente em funcäo sintáctica do adjunto adverbial: Taliban reivindicam ataques contra helicóptero militar norte-americano no Afeganistäo Furacäo leva morte aos Estados Unidos (Correio daManhä, 27-08-2005) Norte-americano libertado nolraque (Correio daManhä, 27-08-2005) Portugal só pensa na vitória frente ä Russia (Correio da Manhä, 27-08-2005) Couto ruma ao Parma (Correio da Manhä, 27-08-2005) A presente análise prova que a problemática do uso do artigo deve ser enca-rada desde vários ángulos de vista. O objectivo desta análise foi esquematizar as regularidades que apresenta o uso do artigo em diferentes pianos linguisticos e buscar os pontes de interseccäo de trés conjuntos ou pianos linguisticos: esti-lístico, sintáctico e semäntico-pragmático; pontes de interseccäo que poderiam caracterizar o uso do artigo numa linguagem concreta, em determinadas funcöes sintácticas de nomes que pertencem a diferentes classes semänticas. As anomalias e irregularidades que o artigo apresenta em ditos pianos linguisticos säo devidas, em grande parte, ao facto de este conter diversos valores esti-listicos e determinativos, contribuindo ä expressäo mais ou menos intensificada das qualidades positivas e negativas do nome atribuindo ao discurso diferentes matizes semänticos. Na multifacetada linguagem jornalistica veriŕicámos a tendencia a eliminar o uso do valor expressivo do artigo nos textos de notícias sendo que nos textos de opiniäo publica a diversidade estilistica do artigo resulta mais evidente, facto que prova a existencia de uma relacäo directa entre o género jor-nalístico e o uso do valor expressivo. Realcámos na presente análise, especialmente, a interpretacáo semántica do artigo zero cujo uso é típico para a linguagem jornalística encarando-a também do ponte de vista da relacäo binária existente entre o artigo zero e indefinido. O presente estudo vé-se limitado por ser realcada significativamente a hierarqui-zacäo vertical do texte jornalistico, facto, que nos incentivará a aprofundar, no futuro, o estudo do artigo em linguagem jornalística dentro dos próprios textos jornalísticos. Bibliografia Manuel Rodrigues Lapa, Estilística da Língua Portuguesa, 11a edigäo Coimbra Editora Ltda.. 1984 Mauro Wolf, Teorias da Comunicaqäo, 8a edigäo, Editorial Presenga, Lisboa 2003 0 VALOR ESTILÍSTICO DO ARTIGO EM LINGUAGEM JORNALÍSTICA 81 Marie Čechová, Jan Chloupek, Stylistika současné češtiny, Institut sociálních vztahů, Praha 1997 Jaroslav Bartošek, Žurnalistika - úvod do studia, Středisko distančního vzdělávání FFUP, Olomouc 1997 Maria Helena Mira Mateus, Gramática da Lingua Portuguesa, 4a edicäo, CAMINHO, 1989 Akta-XXIEncontro daAssociaqäo Portuguesa da Linguística, 2005, Faculdade de Letras da Uni- versidade do Porto, Peso fonológico e foco informacional no sujeito em PE, pg. 6 Bernardo Santareno, O Duelo, Atica, Rio de Janeiro 1974 Agustina Bessa-Luís, O Mosteiro, Guimaräes Editores, Lisboa 1995 www.bocc.ubi.pt (manual de jornalismo) www.publico.clix.pt CD - Documentos Auténticos do Portugués Falado, Gravacöes audio com transcrigäo alinhada, Institute Camöes, Centra de linguística da Universidade de Lisboa