! N x 1 EM todas as casas abandonadas säo casas assombradas. Con-tudo, uma casa abandonada hä muitos anos e, por via de regra, suspeita de estar sob a algada do sobrenatural. Eis porque, quando me apontam uma casa onde, ha muitos anos, ninguem vive e, sobretudo, onde, hä muitos anos, alguem morreu em circunstäncias anormais, logo experimento indefinivel mal-estar, porque logo se instila em mim a eonvicgäo de que, nessa casa, algo de abscöndito se passa. Sei de casas fechadas, em cidades, vilas e aldeias, que ninguem habita porque, no expressivo asserto do povo, tem coisa ruim. 0 melhor, em casos tais, para os respectivos proprietärios e demoli-las e, nos lugares que ocupavam, edificar outras. Se esta-vam, realmente, assombradas — e a vox populi näo costuma enga-nar-se muito a tal respeito—, a assombragäo, por via de regra, desvanece-se e cessa de se manifestar. Os espectros caseiros parece interessarem-se, sobretudo, pelos ambientes familiäres. A influencia telürica so e verdadeiramente forte quando actua nos dominios do quotidiano, do permanente, do conhecido. Quando o novo substitui o velho, a influencia telürica diminui e, na generalidade dos casos, extingue-se. 125 A história que vou contar e nada tem que ver, directa ou indi-rectainente, comigo ou com alguém da minha família entrosa na generalidade dos casos a que me refiro. Reeolhi, há muito, de outiva, os seus pontos fundamentais de comego, meio e fim e, por simples capricho do seu contador, vai ser contada, também, na primeira pessoa do singulár. Näo se esquega, porém, a consabida sentenga: quem conta um conto acrescenta um ponto... Nas suas linhas gerais, no entanto, o mistério da casa fechada e abandonada é aquele que, na realidade, é do meu conhecimento pessoal. Quando, pelo mero gosto de caminhar, empreendia a longa caminhada entre a vila de X e a aldeia de Y, no Minho, era forgado a passar por uma estráda vicinal de tränsito restrito que, preci-samente nas proximidades da aldeia de Y, assumia foros de rua, senäo de avenida, täo larga e bem tratada era. Tres ou quatro familias locais tinham ali as respectivas moradias. E, como só a gente rica fizera dali a sua zona residencial, as casas ali existentes eram todas mais ou menos apalagadas. A primeira com que se deparava, no caminho, ä esquerda, para quem ia da vila para a aldeia, ficava muito afastada näo só das demais mas também da povoagäo. Saía-se da zona densamente arborizada (as matas de eucaliptos e as bougas de pinheiros predominavam na arborizagäo) e entrava-se, quase sem transigäo, na zona escas-samente plantada de árvores, que tomava aspectos de rua ou, talvez melhor, de avenida. Era, mesmo, por avenida que a gente do sítio a designava, corďerindo-lhe, assim, uma categoria com que ela, oficialmente, näo se abonava. A casa a que me refiro situava-se nos limites da estráda vicinal propriamente dita, beneficiando, em parte, da sombra dos Ultimos eucaliptos marginais, e da tal avenida de que era o pri-meiro edifício. Uma parte do terreno pertencente a este estava ainda na zona de sombra da estráda vicinal propriamente dita. Outra parte respeitava já ä zona urbanizada. Entre essa casa e a mais próxima medeavam unsřbons quinhentos metros, para mais que náo para menos. Ficava, po-rtantO', assaz isolada. Um I grito dado nela dificilmente seria ouvido na seguinte. A ajuizar pela aparéncia exterior, era a mais importante e a mais antiga de todas. As outras eram casas de gente de posses, de fachadas mais ou menos arrebicadas, de mais ou menos Bom gosto. Mas a unica verdadeiramente apalagada era aquela a que me refiro. Pelos meus cálculos, um tanto superficiais, claro está, náo teria menos de uns cento é cinquenta a duzentos anos de exis-téncia. De que era do século XViEII náo havia que duvidar. Da parte da frente, era de um só pavimento, bastante alto, porém. Da parte de trás, era de dois andares, normais de aspecto. A fachada principal era de um barroco elegante, sem os caprichos caracteristicos de tal estilo. Porta ao centro, a que se acedia por uma escada de pedra de uma dúzia de degraus. Duas janelas de cada lado, todas de dois batentes. Nenhuma tinha as vidragas intactas nos caixi-lhos. Por trás, viam-se portas de madeira fechadas, talvez pre-gadas por dentro. A um dos lados da fachada principal, uma diamine de fogáo de sala aprumava-se, discretamente boleada na base. A cor da fachada principal, primitivamente, fora, talvez, cinzenta. Agora, desbotada pelo sol e pela chuva de muitos anos, \ [ era indefinivel de cor. Apesar, porém, da incúria dos homens e das injúrias do tempo, era de uma dignidade impressionante. *; Via-se bem que os antigos moradores daquela mansáo senhorial haviam sido náo só gente abastada em haveres mas também gente qualificada em senhoria. Quando passava por aquela casa, em cujos terrenos laterais e fronteiro se estadeavam árvores de grande porte, nomeada-mente duas frondosas acacias que se postavám, como graves senti-, nelas, nas duas esquinas do edifício, náo raro me detinha em frente dela, para a mirar e remirar. Sabia que estava abandonada, mas nada mais sabia. Ignoro porqué, uma sensagáo> desagradável acompanhava a minha habitual contemplagáo. Nunca me interessei, porém, por saber a razáo daquele abandono. Náo era, certamente, a única casa do meu conhecimento em tais condigoes, mas era, para mim, a mais impressionante de quantas conhecia. Contudo, 126 127 näo dava um passo para indagar porque permanecia fechada, a deteriorar-se, paulatinamente, näo só por fora mas também, com certeza, por dentro. Näo fosse resistente, näo f ossem sólidos os mate-riais da sua construgäo, e estaria, haveria muiüj, em ruinas. Näo desgostaria de saber quem a habitara, como fora, outrora, mas a minha curiosidade näo era bastante forte para ser satisfeita. Por isso, passava, parava, olhava — e continuava a andar. Quando aleangava a zona mais povoada da estrada-avenida, uma sensacäo de alivio sobrepunha-se ä de opressäo que a casa abandonada sempře me causava. Ate que, um dia... _ Um dia, fortuitamente, perguntei a um médico da vila meu amigo que me acompanhava no passeio pedibus calcantibus estráda fora, se sabia porque estava fechada aquela casa, grande como era e bela como fora, sem dúvida. O meu companheiro logo mani-festou a sua estranheza perante a minha ignorancia. —Entäo, voeé, que tem passado por aqui tantas vezeš, nän sabe que esta casa está assombrada?! Claro que näo o sabia. Se o soubesse, näo teria feito aquela pergunta. — Pois näo creio que haja, aqui pelas redondezas, bicho careti que näo saiba que, nesta casa, aconteeem coisas medonhas e inex-plicáveis. Quem passa por aqui, de noite, vé e ouve coisas de pór os cabelos em pé. Pelos vistos, vocé nunca passou por aqui, de noite. Näo, nunca passara. De dia, apenas. Mas a verdade era que, sempře que por ali passava, como naquela mesma ocasiäo, expe-rimentava um mal-estar indefinível, näo só moral mas também físico. — Ba influéncia telúrica, meu caro. Comigo acontece a mesma coisa.^De noite, tenho de Ihe confessar que näo passo por aqui. 4. Passei uma vez e chegou para näo desejar repetir a passagem. Olhe bem para mim. Näo estou pálido? Efectivamente, estava. 128 —■ Vamos andando, que eu conto-lhe tudo quanto sei. Fomos andando, estrada-avenida fora. Parámos na aldeia e, como a tarde estava quente, abancámos no modesto café local, quase vazio äqueTa hora, e mandámos vir cerveja. Enquanto bebía-mos, o meu companheiro foi contando-. — Num sábadO', ä noite, vai para dez anos, tive de vir aqui a aldeia, em servico profissional. Um pobre homem fora acometido de doenga subita e requisitavam a minha comparéncia urgente. Caso de vida ou de mořte. Näo podia nem devia deixar de vir. Tinha o meu carro na oficina, em reparagäo, e, como estava uma noite maravilhosa (era de Veräo, como agora), montei na velha bicicleta e ala. Quando' ia, precisamente, a passar em frente daquela casa, que sempře conhecera abandonada e fechada e acerea da qual tinha ouvido umas vagas histórias de almas do outro mundo, notei que as janelas do lado esquerdo estavam abertas de par em par e, dentro, havia fartura de luz. Ouvia-se música. Estupefacto, mas näo ater-rcrizado, apeei-me da bicicleta e aproximei-me do muro baixo e gradeado. Certo, ňao passava ali havia bastante tempo e talvez aquela casa tivesse deixado de estar abandonada e fechada. Veri-fiquei que as janelas do lado direito permaneciam fechadas e a eair de podres, Recordo-me bem, como se fosse hoje, de todos os pormenores daquilo a que assisti. A música era de piano. Tocavam uma polca. Sim, hei-de jurar que era uma polca. Com as mäos no guiador da bicicleta, espantado no mais alto grau, deixei-mealificar, quieto e calado, a olhar para as duas janelas iluminadas e a ouvir aquela música endiabrada. Näo se via ninguém. Contudo, chega-va-me aos ouvidos um sussurro de pés no soalho do saläo. Porque aquela dependéncia da casa era, certamente, o saläo, demais que, no telhado daquela parte do edifício, lá estava a chaminé do fogäo de sala a demonstrá-lo1. Estava a estranhar näo ver ninguém, quando a música cessou a um par assomou a uma das janelas. Digo um par porque eram, indubitavelmente, um homem e uma mulher. Do ponto onde eu estava, via-os, perfeitamente, demais que a luz os iluminava em cheio. Pareciam muito enlevados na contempla-Qäo um do outro e, por isso, näo deram mostras de reparar em 129 mim, que os olhava, fixamente, da berma da estráda. A dada altura, porém, as duas eabegas, voltadas uma para a outra, vol-taram-se para o lado de fora. Entäo, pude vé-las täo bem como o estou a ver a vocé. Fez uma pausa, para beber uma golada de cerveja, limpou a testa molhada de suor, provocado mais pela emogäo interior que pela temperatura exterior, e prosseguiu: — Näo saltei logo para a bicicleta e näo desatei logo a pedalar porque o terror paralizou-me e tirou-me, completamente, as for-gas. Fiquei como pregado ao chäo. O meu estojo de médico, täo grande foi o meu abalo, caiu-me de debaixo do brago. A principio, tive a impressäo de que estava a ver duas caveiras com pele e cabelo. Depois, afirmando-me bem, verifiquei que näo se tratava de duas caveiras. Eram, realmente, duas caras, mas täo sumidas, täo desearnadas, täo desolhadas, täo eadavéricas que dir-se-ia per-tencerem a dois esqueletos. Nisto, ouviu-se um grito que vinha de dentro, do saläo. Um grito täo estridente, täo horroroso que näo sei como näo desmaiei ao o>uvi-lo. Entretanto, ä outra janela também aberta e iluminada assomou outro par. A mulher tinha o i vestido rasgado no decote e o peito coberto de sangue. O horném] brandia um punhal e parecia desvairado. As cabegas.do outro par, do primeiro, voltaram-se na direcgäo da outra janela, daquela em; que decorria a cena sangrenta. De repente, as luzes apagaram-se. i O terror fizera-me fechar os olhos. Quando os reabri, as duas janelas abertas e iluminadas estavam fechadas e äs escuras, exac-i tamente como as do outro lado. Näo se ouvia o mínimo ruído.j Tudo se mostrava como sempře que ali passava, de dia. Nessa altura, tendo recuperado o movimento. e perguntando a mim mesmoj se, acaso, fora vítima duma alucinagäo, voltei a montar na bicicleta e, sem olhar para trás, corri para aqui. Quando cheguei a| casa do doente, um tal Felismino, trabalhador rural, limitei-meí a verificar o obito. Näo sei como näo fui acometido, também, de| doenga súbita. Só sei que arranjei maneira de regressar ä vila naj companhia de um parente do morto e que, ao passar, outra vez,| pela casa abandonada e fechad^, olhei de soslaio para ela, sem* 130 abrandar a velocidade da bicicleta. Estava tal qual como a havia deixado, pouco antes, Nunea mais tornei a passar por ali, de noite, e, quando tenho de passar por a!i, de dia, como há pouco, todo eu trémo e empalidego. Encarar com aquela casa abandonada e f echada transtorna-me. E passou-se o que lhe contei há quase dez anosľ... Realmente, notava-se bem que a evocagäo daquilo que vira e ouvira tantos anos antes o perturbava. Entäo, deu-me para Ihe perguntar: —'Ô doutor: mas isso que viu e ouviu, nessa noite, há-de ter a sua explicagäo. Nunca se interessou por saber o que se teria passado nessa casa que justificasse esse fenómeno? Sim, porque näo foi, certamente, nessa noite que esse baile e esse crime de morte se deram... — Durante muito tempo, anos seguidos, näo quis saber de nada nem falei a ninguém daquilo que vira e ouvira. O meu terror fora täo grande que só' de me lembrar daquilo a que assistira ficava estarrecido. Como lhe disse, antes de me acontecer o que me acon-teceu, tinha ouvido umas vagas histórias de almas do outro mundo acerca daquela casa. Mas, como nunea acreditei nessas coisas, näo liguei importäncia de maior ao que tinha ouvido. Depois do que se passou comigo, entäo, sim, certifiquei-me de que essas coisas näo eram patranhas do género das dos papoes para assustar os meninos, Só muito depois dessa noite foi que me atrevi a indagar acerca dessa casa fechada e abandonada. Diz-se muita coisa, mas creio que o que tern mais visos de verdade é isto que voce vai ouvir. Fez nova pausa, para beber nova golada de cerveja. Depois, chamou o dono do caife, que cabeceava com sono por trás do balcäo. —Acácio! O homem, abalado na sua sonoléncia, acercou-se, pressuroso. —'Äs suas ordens, senhor doutor. —^Vocé conhece bem a história daquela casa lá de bäixo, a do f undo da avenida, näo conhece? 131 —' Bern, sei aquilo que o senhor doutor também sabe, com cer-teza. Uns dizem urna coisa e outros dizem outra. Eu cá entendo que as coisas se passaram como eu conto. Puxou urna cadeira para a mesa a que estávamos sentados e contou. — O que já o meu pai e o meu avô, que Deus tenha, diziam era isto: Um fidalgo que tinha solar em Barcelos costumava vir passar uma parte do Veräo para a casa da avenida, que também era dele. Ora o fidalgo, que ainda era relativamente novo, tinha enviu-vado, mas andava pela beiga por uma sobrinha, que era uma rapa-riga de se lhe tirar o chapéu. Naquele tempo, como os senhores sabem melhor do que eu, era uma coisa muito natural os tios casarem com as sobrinhas. Bašta ver o que fez o senhor D. Miguel, que casou com a f ilha do senhor D. Pedro, sobrinha dele, portanto* Além de muito bonita, a sobrinha do fidalgo era muito rica. Tanto o pai como a mäe já tinham morrido e näo havia outro herdeiro a^ém da moca, que era filha úniea. Como é bem de ver, näo lhe fa'tavam pretendentes. Mas o tio, ä fina forga, queria que a rapa-riga casasse com ele. Cá na minha, o que lhe interessava mais era o dinheiro, näo era a rapariga. Era o tutor da sobrinha e tinha-a em casa, tanto em Barcelos como aqui, como uma verdadeira princesa. Organizava cagadas em honra dela e, quando cá estava, näo havia sábado, ä noite, em que näo desse um baile de espavento. Parece que o fidalgo sofria da cabega, porque lhe davam uns ata-ques. Quando lhos davam, era fugir dele. Dizem que dava uns. gritos de pôr os cabelos em pé a quem os ouvia. Ora a rapariga, que näo aueria o tio para marido, embora fosse muito amiga dele. andava toda derrigada por um rapaz de Braga aue era filho dum juiz. O tio näo sabia do derrico, porque, se soubesse, näo convi-daria o rapaz para as festarolas lá em casa. Só a čerta altura é que o tio comegou a dar fé do que se passava entre á*sobrinha e o tal ranaz de BraAcho que voce fez mal, por um lado, em fazer por querer o que eu fiz sem querer. Mas, por outro, fez bem, pois ficou a saber que eu tinha dito a verdade. Agora, faga por se esquecer do que viu e ouviu. Como estas coisas näo tém explicagäo, näo teňte explicá-las. E, para futuro, näo se meta noutra, que lhe pode sair mais cara. — Tem razäo, doutor. 136 137 Estive muitos anos, mais de dez, sem voltar ä vila de X e ä aldeia de Y. A minha vida manteve-me ausente por longe do Minho I e, até, de Portugal. Nunca, porém, deixei de cismar naquela casa f fechada e abandonada que, num sábado, ä noite, sob um luar de * Agosto, vira e ouvira em festa, em festa de espectros, com parte J de um dupi]o crime de morte ante os meus olhos pávidos. Durante ? todo o tempo da minha longa auséncia, nada soube nem quis saber , do palacete assombrado do fidalgo assassino e suicida. Um dia, enfim, voltei ä vila de X e näo quis deixar de ir ä | aldeia de Y para matar saudades. A pé, como outrora. Sôzinho, "4 como outrora. Era no Veräo, como das outras vezes. O mistério , voltava a atrair-me, com a sua forga inelutável e inefável. Estrada ! fóra, näo1 notei diferenga de maior. Tudo< se mantinha, mais ou menos, na mesma. Ao~ desembocar, porém, na avenida, surpreen- , di-me deveras. Do palacete assombrado näo' havia sequer vestígios. G muro baixo e gradeado, as enormes aeácias e o restante arvo-redo, tudo desaparecera. Operários de construgäo civil trabalha-vam num prédio vasto de um só pavimentO', com aspecto de fábrica. A antiga placidez eclipsara-se, por completo, substituída pela febril actividade dos pedreiro®, carpinteiros, troíhas. Abeirando-me de um operário, perguntei-lhe, de chofre: —^Näo havia aqui uma casa fechada e abandonada? —■ Acho que sim, mas ando na obra há pouco tempo e näo sei o que era aqui. Fui dar fundo no café do sr. Acácio. O dono morrera. Quem geria o estabelecimento, agora, era úm filho. Abanquei a uma mesa, pedi o café e o bagago e, enquanto os tomava, tratei de me informar acerca da casa fechada e abandonada. — O meu falecido pai é que sabia dessas coisas. Parece que uma firma do Porto comprou o terreno e deitou a casa abaixo. Agora, estäo a construir lá uma fábrica de telha. O pessoal da obra vem aqui muito. # —'E a assombragäo? —■ Ah, isso acabou. Uma vez, perguntei a um mestre de obras que vem cá de vez em quando e ele riu-se-me na car a. «Coisa ruim näo tem perigo». Morreu o bicho, acabou a pegonha, meu caro senhor. Apesar de tudo, pelo que o meu falecido pai dizia, näo gosto nada, mesmo nada, de lá passar. Äs vezes, äs duas por trés, a coisa ruim pode voltar... —'Näo, näo creio que volte. Voltei pelo mesmo caminho. Efectivamente, a sensagäo de mal-estar que, dantes, experimentava näo voltara a apoquentar-me. O antigo hábito forgou-me a parar em frente da fábrica em construgäo, a mirar e remirar as paredes já erguidas, os operários que ainda formigavam por ali, na lufa do trabalho quotidiano. Como tudo era diferente daquilo que, muitos anos antes, tanto me impres-sionara! Que séria feito dos fantasmas do fidalgo assassino e suicida, das suas vítimas, dos seus convidados? Para onde se teria deslocado o mistério da casa fechada e abandonada? Sei lá... 138 139