Studijní text Tento studijní text je elektronickou kopií výňatku z textu a je určen pouze pro studenty Filozofické fakulty Masarykovy univerzity. Je určen výlučně k použití ve vyučování pro ilustrační účel nebo pro vědecké účely, jak je stanoveno v autorském zákoně (Zákon č. 121/2000 Sb., o právu autorském, o právech souvisejících s právem autorským a o změně některých zákonů, ve znění pozdějších předpisů). Studenti mohou text použít jen pro studijní účely. Je zakázáno text či jeho část jakkoliv dále šířit, kopírovat nebo používat na jiné účely, než je uvedeno výše. Studijní text je určen pouze pro použití ve výuce pro ilustrační nebo vědecké účely. Cisco Kid? Mandrake? Luis Euripo? Flash Gordon? Os banheiros da Praia das Ma<;:as a mergulharem nas ondas cada menino urn unico mergulho as crian<;:as da colonia de ferias, cujas vigilantes provocaram em mim os primeiros obscuros, confusos desejos? Os robertos acabe<;:ada numa barraca de lona? Os vendedores de remedios para a queda do cabelo na Avenida Grao Vasco, a seguir amissa? Os compradores levavam, por cada embalagem, tres de borla: - Esta e oferecida, esta e ofertada e esta e brinde, sem contar este chifre benzido pela minha tia que era a bruxa da Arruda. 0 melhor sera desistir da cronica e aliviar para canto como Felix, o Pantufas, perante urn aperto de Jesus Correia. Recome<;:ar amanha. Na televisao urn comico austdaco confessa aassistencia as suas desditas. Queixou-se amulher que ela nao dizia 0 nome dele quando tinha urn orgasmo. Resposta da esposa: - Pudera! Tu nunca la estas. Nao serve. Escrever cronicas e perigoso filhos, por vezes temivel. 0 professor de ginastica da uma cambalhota, de fato completo, e sem urn vinco nas cal<;:as. Mario Corso, o Pe esquerdo de Deus, oferece o golo ao interior direito com urn passe em diagonal. Depois de me arrancar o dente perdi de vista o soldado da turques durante uma semana. Quando me encontrou numa esquina da barraca protegeu-se com o cotovelo: - Sente-se melhorzinho? Ha momentos em que os homicidas me enternecem. Pelo menos ao dar com o meu carrasco enterneceram-me. A minha lingua nao parava de explorar o buraco da gengiva. Observo-o ao espelho enquanto parkinsonizo sem talento: ainda Ia esta. Ao fundo, meio escondido, mas ainda la esta, so que a lingua se esqueceu dele. Que se lixe a cronica: me<;:o o quarto de parede a parede: sete passos. Conto tres passos e meio e, com a biqueira, risco uma linha perpendicular ao centro. Depois dobro urn bocadinho OS joelhos e abro OS bra<;:OS aespera: assim que chutarem urn assunto na minha direc<;:ao bloco-o de certeza. Maior do que eu so o das Guerras Punicas. 108 Receita para me lerem Sempre que alguem afirma ter lido urn livro meu fico decepcionado com o erro. Eque os meus livros nao sao para ser lidos no sentido em que usualmente se chama ler: a unica forma parece-me de abordar os romances que escrevo e apanha-los do mesmo modo que se apanha uma doen<;:a. Dizia-se de Bjorn Borg, comparando-o com outros tenistas, que estes jogavam tenis enquanto Borg jogava outra coisa. Aquilo a que por comodidade chamei romances, como poderia ter chamado poemas, vis6es, o que se quiser, apenas se entenderao se os tomarem por outra coisa. A pessoa tern de renunciar asua propria chave aquela que todos temos para abrir a vida, a nossa e a alheia e utilizar a chave que o texto lhe oferece. De outra maneira torna-se incompreensivel, dado que as palavr~s sao apenas signos de sentimentos intimos, e as personagens, situa<;:6es e intriga os pretextos de superflcie que utilizo para conduzir ao fundo avesso da alma. A verdadeira aventura que proponho e aquela que o narrador e o leitor fazem em conjunto ao negrume do inconsciente, araiz da natureza humana. Quem nao entender isto aperceber-se-a apenas dos aspectos mais parcelares e menos importantes dos livros: o pais, a rela<;:ao homem-mulher, o problema da identidade e da procura dela, Africa e a brutalidade da explora<;:ao colonial, 109 Studijní text je určen pouze pro použití ve výuce pro ilustrační nebo vědecké účely. etc., temas se calhar muito importantes do ponto de vista polftico, ou social, ou antropol6gico, mas que nada tern a ver com o meu trabalho. 0 mais que, em geral, recebemos da vida, e urn conhecimento dela que chega demasiado tarde. Por isso nao existem nas minhas obras sentidos exdusivos nem condus6es definidas: sao, somente, simbolos materiais de ilus6es fantasticas, a racionalidade truncada que e a nossa. Epreciso que se abandonem ao seu aparente desleixo, as suspens6es, as longas elipses, ao assombrado vai-vem de ondas que, a pouco e pouco, os levarao ao encontro da treva fatal, indispensavel ao renascimento e a renova<;:iio do espirito. Enecessaria que a confian<_;:a nos valores comuns se dissolva pagina a pagina, que a nossa enganosa coesao interior va perdendo gradualmente 0 sentido que nao possui e todavia lhe davamos, para que outra ordem nas<_;:a desse choque, pode ser que amargo mas inevitavel. Gostaria que os meus romances nao estivessem nas livrarias ao lado dos outros, mas afastados e numa caixa hermetica, para nao contagiarem as narrativas alheias ou os leitores desprevenidos: e que sai caro buscar uma mentira e encontrar uma verdade. Caminhem pelas minhas paginas como num sonho porque e nesse sonho, nas suas claridades e nas suas sambras, que se irao achando os significados do romance, numa intensidade que correspondera aos vossos instintos de daridade e as sombras da vossa pre-hist6ria. E, uma vez acabada a viagem e fechado o livro convales<_;:a. Exijo que o leitor tenha uma voz entre as vozes do romance ou poema, ou visao, ou outro nome que lhes apete<_;:a dar a fim de poder ter assento no meio dos dem6nios e dos anjos da terra. Outra abordagem do que escrevo e limita-se a ser uma leitura, nao uma inicia<_;:ao ao ermo onde o visitante tera a sua carne consumida na solidao e na alegria. lsto nao se torna complicado se tomarem a obra como a tal doen<_;:a que acima referi: verao que regressam de voces mesmos carregados de despojos. Alguns 110 quase todos os mal-entendidos em relas:ao ao que fa<_;:o, derivam do facto de abordarem o que escrevo como nos ensinaram a abordar qualquer narrativa. E a surpresa vern de nao existir narrativa no sentido comum do termo, mas apenas largos drculos concentricos que se estreitam e aparentemente nos sufocam. E sufocam-nos aparentemente para melhor respirarmos. Abandonem as vossas roupas de criaturas civilizadas, cheias de restri<_;:6es, e permitam-se escutar a voz do corpo. Reparem como as figuras que povoam 0 que digo nao sao descritas e quase nao possuem relevo: e que se trata de voces mesmos. Disse em tempos que o livro ideal seria aquele em que todas as paginas fossem espelhos: reflectem-me a mim e ao leitor, ate nenhum de nos saber qual dos dois somos. Tento que cada urn seja ambos e regressemos desses espelhos como quem regressa da caverna do que era. Ea unica salva<_;:ao que conhe<;:o e, ainda que conhecesse outras, a unica que me interessa. Era altura de ser daro acerca do que penso sobre a arte de escrever urn romance, eu que em geral respondo as perguntas dos jornalistas com uma ligeireza divertida, por se me afigurarem superfluas: assim que conhecemos as respastas, todas as quest6es se tornam inimportantes. E, por favor, abandonem a faculdade de julgar: logo que se compreende, o julgamento termina, e quedamo-nos, assombrados, diante da luminosa facilidade de tudo. Porque os meus romances sao muito mais simples do que parecem: a experiencia da antropofagia atraves da fome continuada, e a luta contra as aventuras sem calculo mas com sentido pratico que os romances em geral sao. 0 problema e faltar-lhes o essencial: a intensa dignidade de uma criatura inteira. Faulkner, de quem ja nao gosto o que gostava, dizia ter descoberto que escrever e uma muito bela coisa: faz os homens caminharem sobre as patas traseiras e projectarem uma enorme sombra. Pe<_;:o-lhes que deem por ela, compreendam que vos pertence e, alem de compreenderem que vos pertence, e 0 que pode, no melhor dos casos, dar nexo a vossa vida. 111