Augusto dos Anjos 1) Eterna Mágoa O homem por sobre quem caiu a praga Da tristeza do Mundo, o homem que é triste Para todos os séculos existe E nunca mais o seu pesar se apaga! Não crê em nada, pois, nada há que traga Consolo à Mágoa, a que só ele assiste. Quer resistir, e quanto mais resiste Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga. Sabe que sofre, mas o que não sabe É que essa mágoa infinda assim, não cabe Na sua vida, é que essa mágoa infinda Transpõe a vida do seu corpo inerme; E quando esse homem se transforma em verme É essa mágoa que o acompanha ainda! 2) Psicologia de um Vencido Eu, filho do carbono e do amoníaco, Monstro de escuridão e rutilância, Sofro, desde a epigênese da infância, A influência má dos signos do zodíaco. Produndissimamente hipocondríaco, Este ambiente me causa repugnância... Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia Que se escapa da boca de um cardíaco. Já o verme -- este operário das ruínas -- Que o sangue podre das carnificinas Come, e à vida em geral declara guerra, Anda a espreitar meus olhos para roê-los, E há de deixar-me apenas os cabelos, Na frialdade inorgânica da terra! 3) Versos Íntimos Vês! Ninguém assistiu ao formidável Enterro de sua última quimera. Somente a Ingratidão – esta pantera – Foi tua companheira inseparável! Acostuma-te à lama que te espera! O homem, que, nesta terra miserável, Mora, entre feras, sente inevitável Necessidade de também ser fera. Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja. Se alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija! 4) O Morcego Meia-noite, ao meu quarto me recolho. Meu Deus ! E este morcego! E, agora, vede: Na bruta ardência orgânica da sede, Morde-me a goela ígneo e escaldante molho ” Vou mandar levantar outra parede …” - Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho, Circularmente sobre minha rede Pego de um pau. Esforços faço. Chego A tocá-lo. Minh’alma se concentra. Que ventre produziu tão feio parto?! A consciência humana é este morcego! Por mais que a gente faça, à noite, ele entra Imperceptivelmente em nosso quarto.