[fj : fjswMS Tm^IAKaj '-Men PARA SEMPRE — interioridade e exterioridade Vergilio Ferreira «Tu náo te sentes uma múmia?j> Eis o quesito que Xana lanca a seu pai, o qual, por simbiose, reflecte toda a problemática děste romance. Outros, fora do ámbito da ficcao/ assumem uma posicáo idéntica ao proclamarem que o pai/autor é um «chato». Para cada um a sua verdade. Por nós, todavia, náo resistimos á tentacáo de equacionarmos uma pergmxta: até que ponto Vergílio Ferreira náo se servirá děste seu romance para responder náo só á irreveréncia dos modernos literatos, mas também para proclamar, definitivamente, a sua fidelidade a uma temática que, cada vez mais, se lne vai configurando ser fundamental. Ora isto nos parece importante, náo por mera espe-culagáo de conviccóes nossas, mas porque o autor, consciente ou inconscientemente, dir-se-ia ter construído o trama nar-rativo děste escrito na base dos anátemas que ultimamente lbe váo langando. E, curiosamente, comeca por os aceitar nas vozes dos seus mais directos interlocutores. Assim, á voz de Xana, sua filha, junta igualmente a da Sandra, sua mulher, que profere: «Sempre a ideia do fim, foste um túmulo toda a vida...> (pág. 22). Com o abandono de Xana e a mořte de Sandra, pre-sencas tutelares que o autor recria em cada momento, entre outras, este, obviamente eoquanto personagem, parece as-sumir-se como um ser revoltado, como alguém que se cré abandonado e preterido por todos quantos lne sáo queridos. Até que ponto, neste contexto, náo reflectirá Vergílio Ferreira sobre a sua própria obra? Arte e liberdade se (con)fundem no escritor. Vergílio Ferreira as conquistou dolorosamente contra uma sociedade alienada.. «0 Caminho Fica Longe» foi o seu primeiro livro, na qualidade de escritor e de personalidade castrada, pois logo que apareceu á venda foi apreendido, salvando-se raros exemplares; «Vagáo Jj- e «André Malreaux* conheceram o mesmo destino á margem de razoes plausíveis. Mas nem só de censura oficial se pode lamentar Vergílio Ferreira: aquando da polémica do neo-realismo náo faltou quem o quisesse 7 marginalizado, situacáo que hoje se repete por quem pretende disputar-lhe o prestígio. Raros sáo, todavia, os que se dáo conta děste confronto. Por isso, a condigáo de escritor em qualquer pais, e muito especialmente em Portugal, é a de um ser solitário. Duplamente. Primeiro, porque o artista é já por essa condicáo um ser ordenador, isto é, alguém que tenta concertar o mundo segundo uma perspectiva que este dificilmente pode suportar, segundo, porque o facto de ele ser como é, incita os demais á sua marginalizacáo. «Para Sempře* é um inventário: um inventário de uma vida e um inventário de uma época, onde os valores sáo mensurados nestas duas perspectivas — um outro tipo de «conta-corrantei>, na base de sentimentos particularíssimos, e onde o carácter da ficcao se esvai ou transmuda em favor de uma espécie de confissao que transforma o herói no próprio autor. E, nesta conviccáo, náo sabemos o que mais admirar: se a sua infinita capacidade para aceitar as acusacoes — «Toda a vida fui culpado, como o náo seria agora,» (pág. 267) — se a sua imensa sabedoria em responder da maneira que se lhe afigura mais própria. De qualquer forma, quer se encare o romance como simples expressáo do imaginário, ou como auténtica realidade disfar-gada, o autor náo foge ás questóes fundamentals, antes delas se serve para escriturar o balanco' de uma vida: a sua. Por isso, face á «sarrabulhada» e á balbúrdia característíca dos nossos (seus) tempos, onde o humanismo se confunde com a política, a arte com o consumo, o sexo com a liberdade, a droga com. o ideal, a democracia com o fascismo, o moralismo com a eutanásia, o espírito com o economismo, enfim, face á inversáo dos valores que a ele levaram uma vida inteira a descobrir, invectiva: «estai calados estupores!>; «Estai calados, desgracadosb; «Ide todos á merda!»; «Para a puta que vos páriu !x>; «Que é que vós quereis meus bar-damerdas!i>; (pág. 27/8/9 e 30) expressoes estas que, diga-se de passagem, nos parecem uma concessáo á contempora-neidade... Em qualquer caso, porém, uma tal invectiva, antes de reflectir uma agressáo, uma eventual atitude de soberano desprezo ou de desforra, será, antes de mais, um grito de sentimento insofrido, quigá mal entendido peío primarismo bizarro expresso em algumas páginas da(s) «Conta-Corren-te(s)i>, o resultado líquido de quem sobre a vida reflectiu 48 49 profundamente, na certeza plena de que qualquer investi-mento no pensamento só produz resultados a Iongo prazo. «Para Sempre» parece-nos, assim, um título náo escolhido ao acaso, mas a afirmacáo duma fidelidade aos valores imorredoiros, perenes, só possíveis de quantificar, de testar, por quem se encontra, paradoxalmente, no limiar extremo da existéncia. Para cada um a sua verdade, dissemos. linhas atrás: Vergílio Ferreira, nesta obra, parece ter encontrado a sua. Definitivamente. Para sempře... Todavia, se cada um possui a sua verdade, entáo, esta é variável pelo produto de vários factores, tais como a experiéncia,. a' formacáo intelectual, o grau etário de quem a proclama, etc. Se fosse possível identificar as características mais mar-cantes da razáo de ser da vida humana, no ámbito do que agora tratámos, diríamos que a verdade para a crianca é a que resulta da sua fantasia, para o jovem adulto a que resulta da sua accáo, e para a maturidade aquela que advém da reflexáo. Excluindo a primeira destas assercóes, diremos, ainda, que o homem primeiro do que rudo é acgáo, isto é, trata antes de mais da sua sobrevivéncia, e só depois é pensamento, reflexáo, inventariacáo. O drama pungente děste romance reside neste axióma — náo porque na decorréncia da narrativa hajá qualquer identificacáo visível com esta ideia, mas pelo que resulta do acto da leitura, comparativamente á demais obra do autor, seu impacto e apreciacáo pelo publico e pela crítica. Trata-se, pois, de uma obra que possui duas leituras: a que provém de dentro e a que se aduz de fóra. Assim, este romance, lido por quem do presente faz uma etapa do futuro, pode revelar-se eventualmente uma «chatice^, pois táo somente o que estará em causa para esse leitor será a accáo, a crenga de que a vida se conquista pela dinámica, pelo esgotamento físico das forcas disponíveis em determinado fim — fim, todavia, que só a idade, a experiéncia, "o saber acumulado, revelam ser transitório — e onde: tO tempo do livro é o tempo do artesanato. Coisa destinada a um indivíduo, fabricada com vagares, con-sumida com vagares. Náo temos vagar, estamos cheios de pressa...j> —falar de Xana (pág. 104). Outra serä, porem, a visäo de quem ja esgotou as suas forcas e sabe agora que o futuro e so retrospectiva: «Levava-se para casa a fatia da Ciencia, da arte — e agora?»; «Olho os livros — e de subito os livros multiplicam--se-me desde o chäo ate ao tecto. Paredes imensas, corredores infindäveis compactos de livros, e as caves, e as escadarias interiores, depösito de in-fölios no sotäo, a cerimonia findou, estou so na Biblioteca Geral...» (päg. 25; 22). Eis um outro perplexo Roquetin! Todavia, ao contrario deste, o nosso personagem näo se compraz na inutilidade do seu saber, na näusea da acumu-lacäo da sabedoria sem utilidade, mas na «invocacäo» do seu corpo e do seu espirito, nos seus sentimentos, no que gerou e äs coisas plasmado deixou, enfim, na saudade... Um existencialismo ä nossa medida? Todos os Portugueses säo gris, dizem os estrangeiros, nomeadamente os franceses, que foram, ao que julgo, os autores do crisma. O problema, porem, näo e exactamente este — o da nostalgia ou o da saudade — isto e, o que resulta da inte-rioridade da obra, mas tambem o que resulta da sua exte-rioridade. Para captarmos este ultimo, eis que de novo retornamos ao falar de Xana: «O tempo do livro e o tempo da morte e nös estamos vivos e cheios de coisas a fazer. O tempo do livro e o da imagiuacäo trabalhosa e nos estamos cheios da realidade. Descreve esta sala e ve o tempo que se leva, tu a escreveres e eu a 1er. Mas eu olho a sala e sei logo tudo. O tempo do livro e o do carro de bois. Tenho mais que fazer...» (päg. 105). Tudo se resume, pois, ao confronto de duas geracoes — a do passado e a do presente; e a duas especies de humanismo — o da accäo, na qual o marxismo se integra, 50 51 e o da reflexäo. Por isso, ainda, parece-nos lícito näo só questionar o que restará de tantas pressas, de tanto dina-mismo — quais os valores de Xana?, a droga?, as expe-riéncias sexuais?, a contra-cultura? — mas igualmente supor que o abandono da convivéncia familiär assumido por Xana deverá possuir uma qualquer espécie de relacao com os ataques, com a incompreensäo com que a obra do autor tem sido julgada ultimamente, e qué leva este, enqanto personagem, a afirmar: «Porque a vida era assim feita, criarmos o que nos nega, o que nos expulsa. Criarmos a mořte de nós, que é o' que podemos todos criar desde que nas-cemos...» (pág. 266/7) e a prever, aquando do nascimento da filha: «Olho suspenso o pequenino rolo de carne avermelhada, tem a face distorcida num choro. Já? Täo cedo? Porque choras? Fizeram-te vir ao mundo, näo pareces muito de acordo. De qualquer modo é um pouco cedo para a lamúria. Está bem que vais sofrer o teu bocado. Tanta chatice, hás-de ver. Guarda algumas lágrimas para depois. Sonhos para engalanar o futuro e que depois näo säo. E traicöes dos que hás-de amar. E sacanices quotidianas de amigos e mesmo dos mais chegados. Tu vais ver...s> (pág. 272). Esta peregrinagäo interior, porque de uma peregrinagäo se trata, pode, aparentemente, reforcar a ideia de uns quantos que entendem o autor como um escritor intimista, encerrado numa torre de marfim. Já dissemos algures ser esta questäo um falso problema. Näo existem escritores encerrados em si próprios. Todo o hörnern, e mais ainda um escritor, reflecte sempře o somatório do circunstancial que o cerca, a cultura de que provém — e que é sempře colectiva — a sociedade que o rodeia, etc. Nocáso específico de Vergílio Ferreira, o absurdo de uma tal questäo é evidente, pois o que melhor o define é exactamente o. excesso, a procura da Verdade, e näo a cedéncia ao quotidiano perecível, ä moda, ao romance feito na base de receitas de popularidade, sej a no ámbito do policial, ou no da hermeneutica. Os seus valores säo os que resultam da propria condigäo humana, entendendo-se esta, no seu caso, como o sedimento da civilizacäo europeia, e que ele, desesperadamente, procura transmitir na sua mais densa especificidade, em oposigäo ao trabalho de sapa de muitos outros que a pretendem destruir: «E entäo imagino-me — que ideia. Como se eu fosse o primeiro hörnern mas nascido ja na decrepitude — o ultimo hörnern? o que recolheu em si toda a heranca dos seculos sem ninguem a quem a transmitir...» (päg. 159). Todd o seu labor é assim o de refazer o sentido da escolha e o da hierarquia entre o pereně e o perecível, entre o clássico e o modístico. Uma espécie de arrumar de casa, já que, agora, um pouco ä semelhanca do que acon-tecera em «Rapida, a Sombra», estamos em presenga de um hörnern velho, cuja maior capacidade, pese embora a saudade que o fere, é estar («a velhice é estar...» —48), queró dizer, é aferir pelo conhecimento adquirido. Porque o que está em causa é exactamente o sujeito, a história, a consciéncia de ser, a totalizagäo, versus os códigos, os sistemas, as estrutiiras. E isto levanta uma outra questäo, que é a da Filosofía, intimamente ligada ä «morte do hörnern»: «O grande problema é o da «morte do hörnern». E o proces so de o matar en douceur é por inanicäo. Esvasiado de si, reduzido a múmia, ele é uma pele seca ou um boneco de lata, articulado em rigor, polido de superficies. A grande arma— a reducäo de toda a cultura, filosofia, ideias, sentimentos, de todo o complexo humano, á neu-tralidade da linguagem, ao «sinal». Porque o sinal (dupla face do significante/significado, ou seja, da imagem acústica/conceito) foi reduzido, contra o proprio Saussure, ä nitida esterilidade da propria articulacäo vocabular. Todo o vasto mundo que o hörnern se cons-truiu é uma ridícula ilusäo, porque a sua exacta verdade está exclusivamente no «discurso». O proprio «sujeito» é uma bela ficcäo ainda, porque detrás da palavra nao há mais nada. O sujeito é aquela indizível inexis-tencia que serve de suporte á palavra, a efectiva nos estritos limites da estrutura fechada da lingua, a vai 52 realizando de vocábulo em vocábulo, existe apenas na transparéncia do que diz. Discutir isto é quase táo difícil como discutir o movimento com o eleata. Porque nós sabemos que há outra coisa alem da palavra, mas sa-bemos também que essa outra coisa só «existe» se a dissermos. Nós sabemos que o pensamento é a palavra em que encarnou; mas sabemos que, antes de encarnar, ele era alguma coisa para ao menos haver diferenca entre o que pode encarnar e o que näo podes>... Que é isso que eu vivo (ao ponto de disso poder morrer...) para o qual näo há palavra alguma em mim? Mas se näo tenho disso ideia alguma, como é que pude... ter ideias quanto a isso? Se eu tenho urna ideia sobre aquilo para o qual «tenho a palavra debaixo da lingua» (e que eu procuro em tentativas várias tirar de lá, enganando-me, sabendo que näo é aquela, até encontrar a exacta) — que é isso que pré-existe ä palavra que ainda näo tenho e sei que só com esta ou aquela palavra realmente se efectiva? Nem sempre é bem urna «ideia confusa», pois que ao descobrir a palavra exacta, eu sei que essa palavra é que se Ihe ajusta. Se fosse «confusa», uma palavra que a desse em confusäo estaria certa. Mas de tal modo näo é «confusa», que me näo confundo quanto ä palavra que lhe convém. Näo iluminei ainda a que lá está, näo a vejo, mas sei, o que lá está. Por isso, se üurnino outra coisa (quando a palavra se lhe näo ajusta) sei que é outra coisa e näo o que sei que lá está. E afinal: se se reduz tudo ao significante, que significado pode ter chamar a alguém filho da puta?» (in «Gonta-Corrente 1», (pág. 16/17). Esta é a grande questäo que aflige Vergílio Ferreira, a qual reflete o cisma da literatura contemporänea. Questäo que, receamos, comeca a ser inflacionada pela moda. Sem dúvida que^ em todos os momehtos, existe um em que as normäs ulilizadas se esgotam, provocando a derrocada da verdade de que estäo possuídas. A alternäncia, todavia, näo deve ser encarada como portadora exclusiva da verdade, pois que, de igual modo os que se situam no polo oposto, pela nova verdade se deixam ficar envolvidos, melhor dizendo, pressionados, acabando por aderir de forma empirica äs novas formas expressantes — ao fim e ao cabo, ninguém gosta de se situar ä margem do poder ascendente ou constituido. Diz-nos o bom senso e a experiéncia que sera entre uns e outros, isto é, na mediacäo e harmonia das forcas opostas, que se construirá o futuro. Isto, porém, näo impedirá os excessos, cujo efeito mais negativo é o que resulta da moda, da adesäo incondicional aos novos métodos. Porque, antes de mais, a literatura tanto é um sucedäneo da filosofia, dessa busca da realidade em que o homem se situa, como o é das ciéncias, já que a vida humana está idiossincrasica-mente ligada a todos os movimentos, sejam estes especulativos ou concretos. De resto, desde há muito, o homem sabe que näo lhe bašta o domínio das coisas que o rodeiam, razäo pela qual o que lhe escapa é «humanizado». Logo, a ascen-säo da linguagem pela exclusäo do sujeito, se lhe afigura urna espécie de «anti-filosofia». Ora, ainda que uma tal questäo näo estabeleca o síndroma entre o escritor e a obra, a verdade é que a atitude crítica que sobre ele se exerce acaba por retirar ao escritor o seu próprio estatuto. Admi-tindo, contudo, que mito e totalidade säo conceitos indisso-lúveis, e que através deles se constrói a história, a religiäo, o humanismo e, agora, o «anti-humanismoj>, nada impede a interaccao destes movimentos, na medida em que a linguagem poétiča das epopeias pressupoe a mitologia dos vocábulos e dos símbolos primários. Daqui, que Vergílio Ferreira sej a um dos escritores que, pela via da ficgäo, nos transmite näo só um legado, mas o balanco de uma existencia onde a vida foi eterno compromisso com a literatura, isto é, permanente equacionar do homem, de Deus, da moral e da sociedade. Por isso, ainda, a obsessäo da morte näo se revela nele urna calamidade (senäo na medida em que vai ficando mais abandonado afectivamente) ou, täo pouco, a posse da derradeira sabedoria. Nesta perspectiva, näo deixa de ser curioso destacar uma outra obsessäo neste romance, a qual é de o perso-nagem invocar, de entre as galerias dos seus fantasmas, a figura de sua mäe, mais concretamente, as palavras que ela profere na hora do passamento: «Tu sabes o que ela disse?x> Eis uma expressäo repetitiva, que se regista doze vezes ao Iongo do texto. E isto como que nos sugere a proble- 54 55 mätica da comunicacao da essencia human a universal, essa eterna procura da Verdade onde todo o ser superior se consome, e que palavras algumas podem exprimir. Esta serä, quanto a nös, a verdadeira forca motivadora de Vergilio Ferreira: a procura do «signo», do «sinal», porque tudo deve possuir uma ordern, um sentido, uma especie de «assinaruraj- do Divino, que e preciso. saber 1er e interpretar. Tal como Taine, Vergilio Ferreira e um escritor em procura de um espaco de «sacralidade», dessa imanencia que subsiste em todas as coisas, que enche o tempo e o espaco, mas que jamais se esgota, porque antes de tudo ela e «expressao»'—escrita? E, como Joyce tambem, Vergilio Ferreira pode dizer que tocou o «limite», sem, todavia, re-solver o problema, ja que este e irresolüvel. Por isso, e que ös seus romances näo podem ser identificados sob o signo do epico, mas antes sobre a problemätica da solidäo, dessa consciencia aguda da sobrevivencia, que agora adquire uma nova expressäo, merce das investidas das novas tendencias culturais. «E agora que fazer? Gostava tanto de levar ao fim os dois üvros comecados. O romance. Sei agora mais cla-rainente o que queria. O périplo de uma vida ä procura da palavra. Viemos ao mundo para a encontrar. A pala-vra total, a que nos liga inteiros, a que nos liga a vida toda. Procurei a minha e näo a encontrei. E estou a chegar ao fim. Ou encontrei apenas a do siléncio. Ou a palavra enigmática que a mae do narrador desse meu romance «Para Sempre» lhe diz ao ouvido ä hora da morte e ele tenta eňteňder através da vida inteira». (Conta-Corrente 3, pág. 13). Repare-se como este texto, paradoxalmente, reduz as tensoes entre o humanismo do autor e as novas correntes que ele combate. Ou näo é que aqui a «procura da palavra* é ó mito que a sustem? Como quer que sej a, o que está em causa é o que perpetua o homem após a sua morte, o que dele fica, o seu testemunho, a esséncia de algo que se ausentou, e que é, ao fim e ao cabo, o que nos seduz e o que o identifica, pois näo é em väo que o homem nasce e morre, am a e sofre. O drama desta procura é que, quanto mais seriamente o escritor reflecte sobre a vida, a pessoa humana, a sua origem e o seu ocaso, mais o seu labor se torna um presente para si proprio: ele sente que, finalmente, compreende; toma, enfim, posse de si. Alcangada que seja esta espécie de ascese, toda a sua procura será, agora, a de transmitir esta descoberta para os demais. Compreendé-la-ao estes? Entre a iliuninagäo e a revelacäo, Vergilio Ferreira é um escritor que ficará — para sempře — vinculado a essa procura e a essa transmissäo. (Jornal de Notícias: 12.6.84) 56 57