HELENA KAUFMAN mi a !' ! '" < X <1 n f s 'ľ o p kw.; n A ľ i C A n s i ' i s í' a n ,\ m .\ <;t) 124 termo "metaficcäo historiográfica" foi criado por Linda Hutcheon em Poetics of Postmodernism para caprar as caracteríscicas essenciais de um segmento da ficcäo contemporánea assinado por nomes como os de Umberto Eco, Robert Coover, Salman Rushdie, L. E. Doctorow e outros. A autora näo se refere á ficcäo propriamente "historka" mas ao romance contemporäneo como tal — o romance a que cháma pós-moderno —, em que a presenca e a elabora$äo do terna histórico ocupam o centro da narrativa. Por outras palavras, a presenca do passado, ou seja, a evocacäo da História, consti-tui, segundo Hutcheon, a marca do romance contemporäneo. De facto, a defi-nicäo do pós-moderno proposta pela autora, assim como a análise das suas contradicoes e d_as_suas questöes, comé^a e termina com a tentativa de explicar "a'mitureza da relaclo prcsentc/pissado na arte, na cultura e na história. Como "resultado, o romance pós-moderno, em vez dě fugir da História, de a negar ou destruir, como fazía o Modernismo, revisita-a de uma maneira consciente e, as vezes, irónica. E importante observar que neste contexto o Pós-Modernismo näo signific3 neces^nanienteunxa época lkerária cronologicamenre posterior ao Modernismo. É antes, como observa Umberto Eco, "una categotia spirituále, o megüo un Kunst wollen, un modo di operare" (1983:8). Assim, cada época tem o seu pós-modernismo, como também tem o seu periodo manei-rista e a sua vanguarda, ou seja, o periodo moderno em que rejeita os modelos do passado e radicalmenre propôe a criacäo de novos. Portanto, a resposta pós-moderna ao moderno consiste, segundo Eco, no "reconhecer do passado": "visto ehe non puô essere distrutto perché la sua distruzione porta al sitenzio, deve essere rivisitato: con irónia, in modo non innocente" (1983:39). O proprio termo "metaficcäo historiográfica'' refere-se äs duas caracteris-ticas mats salientes desse tipp de ficcäo: ä sua auto-referencialidade, ou seja, o constante referir-se ä siruacäo discursiva, e ao seu carácter reflexivo na abor-dagem da te matica histótica, o qual implica o dištancia mento critico e näo o simples reviver sentimental ou pitoresco de certos momentos da História. Naš~pálavras~dě Hutchěon: ~ 'The overt mecafktionality of novels (lite Shame or Star Turn) acknowledges their own constructing, ordering and selecting processes, but these are always shown to be historically determined acts. It puts into question, at the same time as it exploits, the grounding of historical knowledge in the past real... It can often enact the problematic nature of the relation of writing history to narrativization and, thus, to fictk>nalhatk>ri, thereby raising the same questions about the cognitive status of historical knowledge with which current philosophers of history ate also grappling." < 1989:92-3). Ao analisar vários exemplos da metaficcäo historiográfica pode dar-se énfase ao seu aspecto pós-moderno — o motivo do confronto ou do diálogo com o passado. Mas é possível também encaraxjtrnetaŕiccäo historiográfica como urna nova maneira de escrever a ficcäo histórica, reformuíando o padräo tradicional do "romance histórico". É~essa perspectiva que vamos adoptar na análise de trés romances de Jose Saramago: Memorial do Convento, O Áno da Morte de 'Ricardo Reis e História do Cerco de Lisbon. Cada um destes romances encarrega-se de problematizar, de urna ou de outra forma, o nosso conhecimento da História e o processo de a narrar, justapondo-lhe, e contemplando ao mesmo tempo, o processo de escrever a ficcäo. Memorial do Convento, abundante em detalhes históricos que sparen-temente näo desafiam a nossa nocäo da época em questao, parece dever mais ao romance histórico tradicional. Mas ä luz de urna análise mais pormenori-zada, que queremos propor aqui, tal observacäo resulta superficial. De facto, Saramago mantém o romance em constante diálogo transformador com os principles modelares do género e, colocando no centro da narrativa a valoriza-cäo do hörnern e da sua obra, introduzindo elementos do fantástico e desve-lando e parodiando os textos "sagrados" ou ideologicamente comprometidos, propôe urna recuperaeäo da História num nível desconhecido ao romance histórico tradicional. O jogo entre o fictício e o real (histórico), juntamente com a exploracäo da intertextualidade e da multiplícidade de diseursos que compôem canto a História como a Ficcao, intensificam-se ern O Ano da Morte de Ricardo Reis, que ainda menos se deixa classificar como romance histórico. Em História do Cerco de Lisboa o autor concebe dois enredos que pertencem a duas diferentes dimensöes temporais: o enredo histórico conta a história do cerco de Lisboa no século XII e o enredo contemporäneo descreve o nasci-mento e desenvoivimento da paixlo entre os dois protagonistas, Raimundo Silva, revisor de urna editora lisboeta, e Maria Sara. Mas reduzir o romance a este comentário constituiria urna simplíficacäo exagerada, pois entre os dois enredos estabelece-se um diálogo complexo. Primeiro, a história do cerco näo é urna recriacäo histórica directa, mas urn romance histórico, urna ficcäo escrita pelo narrador e pensada por Raimundo Silva. Mais ainda, esta versäo romanesca da História baseia-se numa suposicäo histórica deliberadamente errada, negando um reconhecido facto histórico e afirmando que os cruzados 125 näo ajudaram os Portugueses na batalha do cetco. Apesar disso, a reconstrucäo histórica é realisticamente minuciosa, ao passo que grande parte da narrativa "no presente" é dedicada ao processo de escrever a História e de escrever sobre a Históriu, dchatendo-se entre as exigencins d