Seja como for, a uma conclusao podemos chegar: relativamente UMA APROXIMA^Af* AO NEO-BARROCO ao que se possa entender por projecto de modernidade, os tempos : ! da filosofia e da criacjto artistica, considerando o modo especial como neles se faz uma valorizacao da racionalidade, sao afinal dife- . : ■ rentes. Ha, com efeito, desniveis ou desfasamentos importantes a totnar em devida conta, para se evitar certos equivocos que contri- ■ \ ' buiriam para urn entendimento inadequado do Modernismo e do ■ Pos-Modernismo. ! O problema da linguage a* £ o problema da realidade näo se apresentam como questöes Visce iiariamente separadas, Tal rela-cionamento pode já entrev; -se jiuma das primeiras obras que representam uma reflexäo sobre' ipoesia, precisamente a Poética de Aristoteles. Aí faz-se urr>E. in portante distincäo entre o poeta e o bistoriador. Aquele é qus n ciz as coisas que podiam aconte-cer, isto é, o possível; o his,oria or diz as coisas que sucederam. Se o primeiro diz o geral ou ó i riversal, o segundo diz o particular. Mas sabe-se que, no ] ehtamento aristotélico, o geral ou universal encontra-se referilo particular, dado que as essén-cias - o que é geral ou univ ;rsal — existem formalmente nas pró-prias coisas. ; A estética de Aristoteles api m enta-se como uma estética da mimese, da imitagao. Imitar f.-, ob Hamente, imitar algo. Logo, uma estética da mimese é uma estetici da referenci alidade, na medida em que algo é imitado. O problema, todavia, näo é simples. Observace uma referencialidade, mas é de uma referencialidadeperturbada que se trata. Porqué? Porque um dos efeitos que importa conside-rar na eriacao poética diz respeito ao que nela há de estranho. Allotrios, eis a palavra grega que Aristoteles utiliza. É isso que faz com que, como acontece na metafora, se consiga «transpor para uma coisa o nome de outra». Esta definicäo possível da construeäo metafórica privilegia expres-samente o seu carácter referencial - fala-se precisamente em coisas ou, se se preferir, em entes — r o modo como essa referencialidade é perturbada ou se nos apreserta ob uma forma diferida. Desde já importa considerar que o poicr i letaforizante da linguagem e, ao mesmo tempo, a sua possívfl.áimonsao referencial surgem como problemas que nunca deixaram de preocupar os poetas ou os teori-zadores da poesia: é o que acontice com o problema das relacöes entre a ficcäo e a verdade täc característico dos preceptistas medie- 16 17 vais, como os do decoro ou das bienséances tantas vezes presentes nas poéticas do Classicismo, etc. Ora estes problemas näo se podem isoíar de uma concepcäo de inspiracäo aristotéíica que se imprinie poderosamente no pensamento ocidental. E certo que a Poética só tardiaraente há-de reaparecer, ignorada como estéve na Idade Média; mas certo é também que näo deixaram de estar presentes na täo divulgada Arte Poética ou epištola Ad Pisones dé Horácio alguns dos seus ensinamentos. No fund o, o que está em jogo é o p apel que a razäo - uma razäo ordenadora que a filosofia medieval tenderá a indentificar com Dens -desempenha no universo. Na propria definicäo aristotéíica de metafora essa questäo vérň ä superfície. Se, como se disse antes, a metafora consiste em transpor para uma coisa o nome de outra, importa acres-centar, prosseguindo o que Aristoteles diz na Poética, que essa transposicäo se faz «do género para a espécie, ou da espécie para o género, ou da espécie de uma para a espécie de outra, ou por analogia», A simples referencia a generös e espécies sugere de imediato que o mundo está logicamente organizado. O universo tem uma razäo. Da mesma maneira a arte tem de se subordinar ä natureza e ä razäo. E este um dos princípios definidos pelos preceptistas do século XVII - e também do século seguinte - em que se faz sentir a influéncia dos comentadores das concepcöes retóricas sustentadas por Aristoteles. Cerca de trinta e cinco anos depois de ser publicada urna obra que acaba por pôr em questäo a filosofia aristotéíica na sua gene-ralidade, o Discurso do Metoda de Descartes - obra onde se reclama para o pensamento as «ideias claras e distintas» -, Boileau publica a sua Arte Poética, defendendo ai que os tropos sejam «clairs, modes-tes, raisonables». A racionalidade do mundo tinha, em Aristoteles, uma fundamentacäo realista, sendo a realidade independente do sujeito que a conhepe. Agora, no século xvil, comeca a impor-se urn racionalismo que, como pretendia Descartes, assentaria nas tais ideias claras e distintas que surgiriam no sujeito. Urna concepcäo do universo como esta é, pelo menos no ponto de partida, de natureza idealista: o sujeito é assim a condicäo para que a realidade seja conhe-cida, de modo que o conhecimento que daí resulta passa a ter uma referencia subjectiva inevitável. Ora pode o ideahsmo - embora de uma maneira que é, afinal, tantas vezes apressada - ser entendido como um irreal ismo. E o passo que, a partir desse irrealismo, se dé poderá conduzir-nos ao piano da '1 \ •; Í -- ŕ '.; K 1 Í! 'í imaginacäo, da fanta'éla/jaťé porque tal piano, como o diräo os raciona-listas dos séculos xvá é Jivin, é precisamente o das ideias confusas. O que se passa nó piano do pensamento ou da problematizacäo fílosófica pode aconípanhař uma mudanca de sensibilidade ou, melhor, um conflito de sensibiliáades. Esse conflito é evidente entre urna poética clássica e vjmäípoética barroca, tendo, aliás, Boileau com-batido esta em nomé IdäqUela. No século XVII, :dando continuidade ao que se passa na segunda metade do século aiftériof, desenha-se na poesia francesa uma linha de desenvolvimentoj marcadamente barroco, para a qual investiga-dores como Marcel; Raymond e Jean Rousset chamaram a devida atencäo, o que, sobréríido aos olhos do grande publico francés que, ao contrario dá;generalidade dos leitores Portugueses, consi-derava o referido século como o do classicismo era extremamente importante para se ter uma compreensäo mais adequada da evolu-cäo da respectiva literatura. Ora é essa sensibilidade de procedéncia barroca que nos vai inte-ressar, tendo em vista o modo como ela acaba por pôr em questäo aquilo que poderia ser entendido como o proprio espaco de uma racionalidade que regula e limita os podereš de ficcäo da poesia, isto é, o seu espago imaginativo. Consideremos esta questäo a partir da análise de um poema do século xvn. Näo do século xvn francés onde já se entreabria, sem dúvida, uma fenda pela qual a refe-rida imaginacäo se fdrtay;a á ordern da razäo cartesiana -, mas, sim, do portuguôs: um p'otemft da Fénix Renascida. Näo nos esquegamjos^ contudo, que pelo nosso século xvn per-passa também um idcajide natureza racionalista. Näo procedente das concepcöes cartesia'nas f mal olhadas ou vistas com desconfianca pelo que séria a nossa cultura oficial que, no piano filosófico, poderia ser referida aos ;cbrisä,grados cursos dos Conimbricenses -, mas daquelas que assenta,vam jáinda no pensamento aristotélico. Realidade, racionalidade - eis as jiqlavras de ordern ainda vigentes. Convenhamos que tudo isto se passa; em meios restritos, neste caso o do ensino universitário em Coimbrä, Poucos seräam os reflexos num piano cultural mais alargado, a irilo ser que se falasse no que representaria urna sobreposigäo de eóordenadas possíveis que, entre si, acabariam por esbocar urna esp'.écie de visäo do mundo. Mas uma visäo ape-nas Dressentida, adivinhpda... É ela - sem que, co.m'isto se insinue sequer que haja um relacio-namento directo entre a poesia e o pensamento filosófico da época que, aliás, sabia muifďb'em guardar as suas distäncias — que a sen- 18 19 síbilidade barroca ténde a pór era questäo, afectando, assim, o sen- tido de realidade ou ťacionalidade a que atrás nos referimos. Esforgar- i -nos-emos por divisa'r, a titiilo de exemplo, urna tendencia täo impor- ^ taňte como esta atrávés da análise do seguinte passo de um poema \ anónimo e escrito em castelhano da Fénix Renascida, cujo tftulo é I «A um papagaio do'Palácío que falava muito»: Iris'parlero, Abril organizado, f Ramillete de plumas con sentido, Hybla con babla, irracional florido, Primavera con pies, jardin aiado, O proprio título surge como um verdadeíro suporte de apresen-tagäo do poema; há nele, bem explícito, o que se poderia entender como uma referencia á realidade. Sabemos assim que no poema se fala de um papagaio. E tal referencia chega mesmo a ser reforcada pela indicacäo de um lugar onde, o Palácio aí citado. Afinal, como se se tratasse, respectivamente, da coisa real ou objecto e o espago ou as coordenadas onde ela se situa. Mas os quatro primeiros versos do poema em questäo permitem, de imediato, encontrar um tracado metaforizante que näo deixa de causar uma čerta perplexídade. Este, salvo uma excepcäo, corres-ponde a um sucessivo jogo entre substantivos (iris, Abril, ramillete, Hybla> Primavera, j ardin) e adjectivos ou formas que se poderia con-siderar equivalentes (parlero ou con habla, organizado, con sentido, con pies, aladó), os.jquais, respectivamente, traduzem o que a referencia em questäo. -identificável a um papagaio - näo é ou näo pode ser (por exemplo, April) e o que ela é (por exemplo, con habla, o que říca corroborado pelo titulo dado ao poema). É curioso notar que os substantivos — correspondendo, numa extrapolacäo que se fizesse da linguagem para a filosofia aristotélica, äs substäncias - ocupam o que seria um piano de irrealidade relativamente ao referenciado, ao contrario do que ácontece com as qualidades - uma nocao também presente na filosofia de Aristoteles - designados pelos adjectivos ou formas afins. «Irracional florido» será precisamente o segmento que se apresenta como; excepcäo em relacäo ao desajuste apontado. E contra esta desordem, estas inesperadas refraccöes de sentido, que a poética classicizante se há-de insurgir. Ora tal desordem que passou a ser combatida pôs em questäo, ao longo de um caminho que sabemos ser o de uma imaginacäo que os surrealistas mais tarde iräo exaltar, o valor referencial do poema, a sua referencialidade. Um equívoco, n^eťftánto, é possível. Estaria ele em admitir-se que a referencialidade! äcabaria por conduzir a urna represetitacäo unívoca. Há a consider aqui duas coisas diferentes. Assim, no poema em questäo a referencia a u m papagaio é, como se disse, um suporte de apresentacaoj jtortanto, uma presenca necessária para a propria leitura diversifie'ada que importa fazer. Mas o suporte refe-rido é um suporte parä'ä'arhbiguidade. Neste momento ganha relevo uma transformacäo pošsível. A representacäo é substituída por uma presenga, e esta é de ňatureza verbal. Os poetas banocos comecaram a ter consciéncia desta situacäo. A estética da imitacäa ě c'ada vez mais perturbada. As metáforas derivam sobretudo da, iíečessidade que se comeca a sentir de nomear as coisas näo pelo seiťäoW, mas - como preconiza Gracián, Cyrano de Bergerac ou Tesauŕp; -~ pelos concetti, pointes ou agudezas, os quais representam sempre um desvio em relagäo ao nome em questäo. Cria-se assim um dinamismo expressivo que se acentua ainda mais com o recurso a jógos de conceitos, a cadeias verbais entre si organizadas, ao desbordamento de uma imaginagäo que se torna muitas vezes imprevisível. Mas o que importa sobretudo é a cir-cunstäncia de que o que se imitava passa a ser agora sujeito ä meta-morfose, ao disfarce, isto é, a um discurso que se caracteriza pelo facto de se tornar ambíguo. A referencialidade, sobretudo se a pautamos por uma realidade ordenada inicialmenťPi; acába por se tornar dependente dos efeitos que essa ambiguidadéipŕoduz, o que faz com que o caminho assim iniciado, que vai da ipalidade á desrealizacäo, seja o mesmo que a partir da desrealizacäq,íjhega a urna presenca textual que ganhará finalmente corpo no dprníaiio da criagäo poética. E isto representa, sem dúvida, qualquer.jcoisä.de essencial. Muitas das críticas ou limi-tacôes que se poem. ajexpressäo poética barroca - e näo deixam algumas delas de vir a propósito se considerarmos, por exemplo, muitos dos poemas dá raferida Fénix Renascida - tém de tomar em linha de conta o que šsrä agora urna positiva apreciacäo da maneira como no Barroco se príncipia a considerar a propria realidade da poesia enquanto tal. • ." Chegados a este |aťa'riiar, näo podemos deixar de pôr a questäo de saber se näo se teria;:aléäncado aqui um ponto de vista que há-de estar presente numa poética da modernidade: a desrealizacäo a que se sujeita o discurso poético - deslocando-o, como vhnos, do espago mesmo da referencialidade - acaba por consignar ou propor uma outra forma da realidade que se identifica com a das formas verbais 20 21 ou de um imaginário, emprestando-lhe este um sentido marcado por uma turbuléncia ou indecifrabilidade que continuaria a por em ques-tao qualquer rígido suporte de natureza referencial. Uma forma, pois, em que o irrepreensível e o indizível se con-jugavam. Era esía a novidade. Ora náo nos esquegamos de que um estudioso do Barroco, Morris W. Croll1, cháma a atencäo para a enfase que se dava pór essa altura a tal novidade quando, sobretudo na arquitectura e na literatura, se falava de «moderno» ou de «novo» estilo. O Barroco era, assim, uma «modernidade autoconsciente». Ora acontece que a época actual se tornou, por sua vez, cons-ciente de um certo envolvimento barroco que a caracterizaria em alguns dos seus aspectos. Parafraseando Croll, dir-se-ia que nos con-frontamos agora com um barroco autoconsciente ou, se se preferir, com um neo-barroco. Para já, importa notár que esta designacäo, que muitas vezeš se aproxima de um pós-modernismo, vive de mui-tas ambiguidades. , Em primeiro lugar porque o Neo-Barroco cabe num movimento mais amplo, o revival, e como tal näo deixa de se inserír numa moda que só näo corre o risco de se banalizar quando ultrapassa uma nova forma de estética da rnimese - afinal, a mimese de um estilo - pela recuperacäo suficientemente cúmplice de valores que enveredam para um mundo fantasmático, imaginativo; foi, sobretudo, o que aconteceu com o que há de revivalista no movimento romantico -täo interessado, por exemplo, no tempo medieval - ou simbolista. Giulio Carlo Argan, considerando o fenómeno estético do revival em fungäo de uma capacidade que ele tinha de ultrapassar os valores do passado, dizia que é o futuro que se imagina em prejuízo do que se recorda; logo, poderíamos dizer que o passado, se se recorda, também se imagina. E esse envolvimento do imaginário que importa ter em vista, quer em funcäo de um processo criativo que lhe é proprio, quer em funcäo de algo em que nem sempře se repara: a sua própria recep-gäo. Este novo aspecto — ao considerar-se em especial algumas situa-cöes de recepcäo de pbras que, alias, só abusivamente poderiam ser consideradas barrocas ou neo-barrocas - será aquele em que nos deteremos um pouco. Diga-se desde já que, em geral, a caracteri-zagäo de uma obra como barroca era valorativamente negativa. Alguns exemplos: Garrett, no prefácio da Urica de Joäo Mínimo, ' «The baroque style in prose», in Studies in English Philologie, Minneapolis, 1929, pp. 427-456. l fala do barroquismo de Boeage ou dos elmanistas, depreciando-o. I Castilho aponta, na sua cařfá-ppsfácio inserida no Poema da Mocidade I de Pinheiro Chagas, a íéridéricia para o barroquismo que se insta-jjř lara na geracäo nova, ištci é, a de 70, chegando a transcrever um i poema da Fěnix Renasčidd, cuja procedéncia de imediato refere *, «para que se näo engarie? ajlguém supondo que tomei isto sem vénia ! a algum eontemporáneoH. Por sua vez, Camilo fala nas páginas do [ Cancioneiro Alegre acářca.do que seria uma actual «invasäo de " Gongoras». ^ $ Em tempos muito maisrccentes algo de semelhante acontece. Joäo Gaspar Simöes, nu'tn břcve artigo de 1960 - que será incluído em Literatura, Literäiiira^Literatura..., publicado quatro anos ■ depois - refere-se ä poesia, entäo recente portuguesa que aproxi- F mava do Gongorismo,; ÍJeppis de apontar o papel que essa refe-• réncia desempenha relatiyarnente ä geracäo espanhola de 27, com destaque para Lorca, Pedro, Sahnas, Gerardo Diego, Damaso Alonso, etc., considera que serao,. entre nós, os anos 50 aqueles que se carac-terizariam - eis a expressäfc» que tanto sucesso há-de obter na década de 80! - pelo seu «neo-barroquismo». E aí, como diz Joäo Gaspar Simöes, que «se aiunda ä poesia das novas geragöes nacionais», conclusäo que é certamentej abusiva, embora, em termos da recep-cäo que entäo se fazia, ácabasse por ser suficientemente esclare-cedora. Há, no entanto,. um aspecto que Gaspar Simöes aponta e cuja importáncia se de^/.e;ppr em relevo. Num passo do artigo em questäo, e tendo prceisarnerjLe em vista as tais novas geracöes, fala de «niilismo poetico». :: Lembremos que está^o^ao de niilismo poético ganha uma čerta í ressonäncia com a difusäo da obra de Hugo Friedrich Estruturas da Lírica Moderna, publipadaiem 1956. Aí refere-se äs «categorias ' negativas» de uma poesia |que, sobretudo a partir de Baudelaire, comeija a pender para o. aspecto significante da sua linguagem. Como Hugo Friedrich admite, a negatividade aplica-se mais aos aspectos formais do que aos contptjdos.2 Estes - como acontece tantas vezes numa poética ou estéticjaí!barroca — säo sujeitos ä mutabilidade, á turbuléncia, á instabilidade, ä anamorfose. Alias, Hugo Friedrich reporta-se a um ponto de vjjSfa também defendido por Damaso Alonso, um dos escritores que em. 1927 participaram na celebracäo do cen-tenário de Gongora, o que ;serviu de envolvimento para uma nova proposta poética que |e' äfirmara na literatura espanhola e há-de -'- , ^ 2 Structures de la Poesie Moderne, trad. francesa, Paris, 1976, pp. 16-21. ■>!■■.( II'- ■■\:.\ ": ganhar uma dimensao geracional. Nesta aitura, Damaso Aionso tinha ja consciencia de que a poesia apresentava uma dimensao propria e que decorria de uma presenga ou materialidade textual que, em rela-cao a uma referenda significativa, so podia ser definida negativa-mente. E isto, como se sabe, sera urn ponto de vista recorrente na propria poetica da modernidade. O neo-barroquismo acaba por ser entendido de modos diferen-tes. A modernidade pode encontrar na tradicao barroca - como o encontrou, mais ou menos conscientemente, na estetica romantica ou simbolista - urn caminho para a valorizacao daquela presenca textual a que atras nos referimos. Por sua vez (e este 6 um segundo aspecto que importa nao confundir com o primeiro) a recusa ou a crise dessa modernidade podem facultar conjuntamente uma fuga para o passado em termos revivalistas ou, nao raro, orientados para o pastiche, sendo 0 Neo-Barroco uma das expressoes dessa especie de renovatio. Dois, caminhos possiveis para o novo, mas que nao podem deixar de ganhar sentidos e implicacoes diferentes. O PROBLEMA DO CONHECER E DO SER NO PENSAMENTO MODERNO Com o Simbolismo e, pösteriormente, com certos desenvolvimentos do movimento moderru^ta^ sobretudo nas primeiras décadas do século XX, verifica-se uma tendencia de que há-de derivar uma valorizacäo da lin-guagem mediante uma o'posicao - a qual se torna bem explicita no caso de Mallarmé e depoiS, em autores como Pessoa, Valéry ou Guillen -entre a propria lingualem e a realidade. Podemos dizer que a poesia acaba por abolir essa realidade. Manifesta-se, aqui, o que poderia ser a procura de um fundamento, ontológico da forma que, paradoxalmente, faz com que esta «represente um ponto de apoio num espaco vazio de objectos, uma orientaoäo | uma medida para o seu canto»1 ou, por outras palavras, para urn moniento em que a forma e o nada se conjugam. Na linguagem filosófica, as circunstäncias säo outras. Vimos ja2 que a referencia que'háinó'pensamento filosófíco ä modernidade se faz tendo em vista ayn'sujmragao de uma perspectiva fundamental, extremamente impoi^anfetEsta movimentacäo prolongar-se-á até ao século xix, atingindo com o pensamento de Hegel uma dimensäo tal que, em relacäo a este pensador, já se pode falar num idealismo absoluto. Ele parece^eifcioptrar um ponto de apoio näo propriamente num «espaco vazio d© $bj'ectos» mas em sucessivas negacôes que, como se sabe, o métodó clialéctico implica. Šerá enquanto negcifiyidade que o ser e o pensamento acabam por se realizar? Poderíámos dizer que a negatividade é aquela forga - expressa peia palayra jalemä Kraft - a que Julia Kristeva especial-mente se refere3 quando.examina o seu signifícado na Fenomenologia do Espírito de Hegel :.Hssa forga séria o que caracterizaria o dina-mismo do proprio pensamento, considerando os seus momentos de recusa e de ocultacap./Talvez. na escrita propria da poesia acabe iíi! f. 24 1 Hugo Friedrich, $trüctiires de la Poesie Moderne, Paris, 1976, p. 154. 2 Cf. o cap. «As dii2JSi,m|odernidades». 5 La Revolution du Läp^ü^ße Poetique, Paris, 1974, p. 105. I .'• 1 } ii"! 25