495 Maeido La vos digo que thä fadigas tantas mortes, tantas brigas, e iperigos descompassados, que assi vimos destrogados, pelados corn'a formigas. 500 505 äma Maeido äma 510 Maeido Ama Maeido Ama Porem vindes vös muito rioo? Se näo fora o capitäo, eu trouxera a meu quinhäo um milhäo, vos certifico. Calai-o'os que vös vereis quäo loucä haveis de sair. Agora me quero eu rir disso que me vös dizeis. Pois que vös vivo viestes, que quero eu de mais riqueza? Louvada ■ sej a a graudeza de vos, Sernhor, que tno trou- [xestes! A oiau veon beiii carregada? Vem täo doce erobaiideir^da! Vamo-la, rogo-vo4o, ver. Far^os-ei nisso prazer? Si, que estou muito enfadada. Väo-se a ver a Nau e fenece esta farsa. AUTO (DE MORALiIDADK) DA barica DO mmmo 62 Figuřas: ARGUMENTO An jo — Arrais do Čóu DlABO — Arrais do Inferno Companheiko do Diabo FlDALGO Onzeneiro Parvo (Joane) Safateiro (Joáo Antáo) Frade Uma MogA (Florenca) Brísida Vaz — Alcoviteira Judeu Corregedor Procurador Enforcado Quatro Cavaleiros Auto de Moralidade composto por Gil Vicente. Por contemplacáo da serenísskna e muko católica rainhá dona Liaoior, nossa Senfaora: e representado por seu mandado ao poderoso principe e muito alto rei Dom Manuel, primeiro de Portugal děste nome. Comeca a declaragao e argumento da obra. Primei-ramente, no presente auto, se figura que, no ponto que acabamos de espirar, chegamoš supitamente a um rio, o qua! per forca havemos de passar em ium.de dous batéis que naquele porto estáo, scilicet, um deles pera o Paraíso, e o outro pera o Inferaio, os quais batéis tem cada um seu arrais na proa: o do Paraíso um Anjo e o . do Inferaio um Arrais infernal e um Companheiro. O primeiro entrelocutor é um Fidalgo que chega com um Pagem que Ihe leva um rábo mui comprido e uma cadeira de espaldas. E comega o Arrais do Inferno, mites que o Fidalgo venha: ■ . Diabo A barea, a barca, 'hou-lá!, que. temos gentid. maré! . — Ora venha o caro a ré! Comp. Feito, feito! 5 Diabo Bern está. Vai ali, muitieramá, e atesa aquele palanco, e despeja aquele banco para a gente que virá. 65 10 15 Comp. DlABO 20 Comp. Diabo 25 Á barca, á barca, uuh! Asinha, que se quer ir! Oh que tempo de partir, louvores a Belzebu! — Ora, sus, que fazes tu?! Despeja todo esse leito! Em bonora, logo é feito. Abaixa arama esse cu! Faze aquela poj a lesta e alija aquela driga. Oh caca! Oh! ica! Ica! Oh, que caravela esta! P5e bandeiras, que é festa. Verga alta! Ancora a pique! — Ó precioso dom Anrique, cá vindes vós?! Que cousa é esta?. Vem o Fidalgo e, chegando ao batel infernal, diz: 30 Fid ax. Diabo Fid al. Diabo Fid al. Diabo Fid al. Diabo Fidal. Diabo Fidal. 40 Diabo 35 Fidal. Diabo Esta barca onde vai ora, que assi'sta apercebida? Vai para a ilha perdida e há-de partir logo ess'ora. Para lá vai a senhora? Senhor, a vosso service Parece-me isso cortico... Porque a vedeš lá de fora. Porém, a que terra passais? Para o inferno, senhor. Terra é bem sem-sabor. Que? E também cá zombais? E passageiros achais para tal habitacao? Vejo-vos ěu em feicáo para ir ao nosso cais... Parece-te a ti assi... Em que esperas ter guarida? Fidal. Que deixo na outra vida 45 quem reze sempře pór mi. " Diabo Quem reze sempře por ti!... Hi! Hi! Hi! Hi! Hi! Hi! Hi!... E tu viveste a teu prazer cuidando cá guareoer 50 porque řezem lá por ti?! Embarcai! Hou... embarcai!, que haveis de ir ä derraideira... Maadai meter a cadeira, que assim passou vosso' pai. 55 Fidal. Que? Que? Que? E assim lhe vai? Diabo Vai ou vem, embarcai prestes. Segundo lá escolhestes, assim cá vos contentai. Pois que já a morte passastes, 60 haveis de passar o rio. Fidal. Näo há aqui outro navio? Diabo Näo, senhor, que este fretastes, e primeiro que expirastes me tinheis dado sinal. 65 Fidal. Que sinal foi esse tal? Diabo Do que vós vos conteotastes. Fidal. A es-toutra barca me von. — Hou da barca, para onde is? Ah, barqueiros, näo me ouvis?! 70 Respondei-iine! Hou-Iá! Hou!... — Por Deus, aviado estou! Quanto a isto é já pior. Que gericociais, salvanor! Cuidam cá que sou eu grou. 75 An jo Que mandais? Fidal. Que me digais, pois parti täo sem aviso, se a barca do paraiso é esta em que navegais. 66 67 Anjo Esta e; que lhe buscais? 80 Fidal. Que me deixeis embarcar; spu fidalgo de solar, e bem que me recölhais. Anjo Näo se embarca tirania neste batel divinal, 85 Fidal. Näo sei por que haveis por mal que entre minha senhoria. Anjo . Pra vossa fantasia mui pequeoa e esta barca. Fidal. Para sanhor de tal marca 90 näo hä aqui mais cortesia? Vomha pramcha e atavio! Levai^me desta ribeira! Anjo Näo vindes vös de maneira para entrar neste navio. 95 Essoutro vai mais vazio: a cadeira entrarä, e o rabo caberä . . e todo o vosso seohoirio. Ireis lä mais espacoso, 100 vös e... vossa senhoria, cuidando na tirania do pobre povo queixoso; e por que, de generös o, . desprezastes os pequenos, 105 aohar-vos-eis itanto monos quanto mais fostes fumoso. Di abo Ä barca, ä barca, seiihores! Oh! Que mare täo de prata! Um varitozinho que mata 110 e valentes remadores! (cantando): Vos me veniredes a la mano; a la mano me veniredes, e vos veredes peixes nas redes. 115 Fidal. 120 125 Di abo 130 140 Fidal. 135 Diabo Fidal. Diabo Fidal. Diabo Fidal. 145 Diabo Fidal. Diabo 150 Aomfenno todavia! Inferno ba ai para mi?! Ö triste! Enquanto vivi nunca cri que o ai havia. Tive que era fantasia; folgava ser adorado; confiei em meu estado e näo vi que me perdia. Venba essa pranoha e veremos esta barca de tristura. Embarque vossa docura, que cä mos entenderemos... Tomareis um par de remos, veremos como remais; e, chegando ao nosso cais, nös vos desembarcarernos. Mas esperai-me aqüi:. tornarei ä outra vida, ver miüha dama querida que se quer matar por mi. Que se quer matar por ti?!... Isto bem certo o sei eu. Ö namorajdo saodeu, o maior que nunca vi! Era tanto seu querer que me escrevia mil dias. Quantas mentiras que lias, e tu... morto de prazer! Para que e escärnecer, que näo havia mal nem bem? Assim vivas tu, amem, como te tinha querer! Isto quanto ao que eu conheeo. Pois, estamdo tu expirando, se estava ela requebrando com outro de menos preco. 68 69 155 165 170 FiDAL, Dá-me lieenca, te peco, que vá ver minha mulher. DiABO E ela, por náo te ver, despenhar-se-á dum cabeco. Quanto ela hoje rezou, . éntre seus gritos e gritas, foi dar gracas kifinitas a quem na desassombrou, Quanto a ela, bem chorou. Nao há aí choro de alegria?! E as Mstimas que dizia? Sua mae lhas ensinou. Entrai, meu ssnhor, entrai! — Venha a prancha! — Ponde o pé! Entremos, pois que assim é... Ora agora descansai, passeai e suspirai; entanto virá mais genie. Ó barca, como és ardente! Maldito quem em ti vai! Diz o Diabo ao Mogo da cadeira: Fidal. 160 DiABO Fidal. Diabo Fidal. Diabo Fidal. Diabo Tu, seu raoco, vai-.te dai, que a cadeira é cá sobeja. Causa que esieve na igreja^ nao se há-de embarcar aqui. 175 Cá lha darao de marfi, marchetada de dolores, com tais modos de lavores que estará £ora de si... 180 —A barca, a barca, boa gente, que queremos dar a vela! Chegar a ela! Chegar a ela! Muitos e de boa mentě! Oh! Que barca táo valente! onzen. Diabo Onzen. 195 Diabo Onzen. Diabo Vem urn Onzeneiro e pergunta ao Arrais do Inferno, dizendo: Onzen. Para onde camionihais? 185 Diabo Oh! Que ma-hora venhais, onzeneiro meu parente! Como tardastes jvos tanto? Mais quisera eu la tardar. 190 Na safra do apanhar me deu Saturno quebranto. Ora mui muito me espan-to nao vos livrar o dkiheiro. Nem tao so para o barqueiro nao ine deixaram aem tanto.-'. Ora entrai, entrai aqui! Nao hei eu i de embarcar! Oh! Que gentil recear, e que cousas para mi!... Inda agora faleci, deixai-me buscar batel. Pesar de Joao Pimentel! Por que nao iras aqui? E para onde e a viagem? Para onde tu hasmais detenca. Dai cá a mäo, senhora Florencii: vamos á bare a da Gloria. Tanto que o Frade foi embarcado, veio uma Alcovi-teira por nome Brísida Vaz; a quäl chegando ä b area infernal diz desta maneira: Comegou o Frade a fazer o tordiäo e foram dart* gango até o batel do Anjo desta maneira: Frade Tarararairäo, tarkiririräo, tairairäo, taririräo, taririräo, buhá! Chegä á barca da Glória e diz: Deo gralias! Há cá lugar 470 para minha r'everenca? E a senhora Fíorenga pelo meu antrará lá! Parvo An dar, muitieramá! Furtaste o trkichäo, frade? í 475 Frade Senhora, dá-me a vontade que este feito mal está... Vamos onde havemos de ir, näo praza a Deus coa ribeira! Eu näo vej o aqui maneira 480 senáo enfim... conerudir. Diabo Padre, haveis logo de vir? Frade Sim, tomai-me lá Elorenca, e cumpramos a senlonca, ordenemos de partir. 485 Brís. Diabo Brís. Diabo 490 505 510 Comp. Diabo Brís. Diabo Brís. 495 Diabo Brís. Diabo Brís. 500 Diabo Brís. 515 Diabo Brís. Hou-lá da barca, hou-lá! Quem cháma? Brísida Vaz. Eia! Aguarda-me, rapaz! Por que näo vem ela já? Diz que näo há de vir cá sem Joana de Valdeis. Entrai vós, e remareis. . Näo quero eu enträr Iá. Que saboroso arrecear!... Näö é essa barca a que eu cato. E trazeis vós muito fato? O que. meconvém levar.: Que é o que haveis . de embarcar? Seiscentos virgos posticos e trés.arcas de feiticos que. näo podem mais levar. Trés armários de mentir, e. cinco cofres de enleios, e alguns furios alheios, : assi em jóias de vestir; guarda-roupa de encobrir, enCim — casa movedica; um estrádo de cortica com dez coxins de embair. A mor cárrega que é: essas mocas que vendia. Daquesta mercadoria trago eu muita, ä bofé! Ora ponde aqui o pé. Hui! Eu vou pra o paraíso! E quem te disse a ti isso? Lá.:hei-de ir desta maré. 80 81 Eu sou üa märtir tal, acoites tenho eu levados e tarmentos suportados 520 que ninguem ine foi igual. Se eu fosse ao fogo infernal lä iria todo o mumdo! A estoutra barca cä em fundo me vou eu, que e mais real. E chegando ä barca da Glöria, diz ao Anjo: 525 BHis. Barqueiro, mano, meüs olhos, praneha a Brisida Vaz! Anjo Eu eäo sei quem te cä traz,.. BRis. Peco-vo-lo de giolhos! Cuidais que trago piolhos, 530 anjo de Deus, minho rosa? Eu sou Brisida, a preciosa, que dava as mogas aos molhos. A que criava as meninas para os cdnegos da Se... 535 Passai-me, por vossa fe, meu amor, minhas boninas, olhos de perlinhas fkias! E eu sou aipostolada, angelada e martelada, 540 e fiz obras mui divinas. Santa Ursula näo converteu tantas cachopas como eu: todas salvas pelo meu, que tienhuma se perdeu. 545 E prouve Aquele do C£u que todas acharam dono. Cuidais que dormia eu sono? Nem ponta!... E näo se perdeu. Anjo Ora vai lä embarcar, 550 näo me estes innportunando. Brís. Pois estou-vos alegando o porque me haveis de levar. Anjo Náo eures de importunar, que náo poděs ir aqui. 555 Brís. E que májhora eu servi, pois náo ime ihá-de aproveitar! Torna-se Brísida Vaz á barca do Inferno dizendo: Brís. Hou barqueiros da má-hora, ponde a prancha, que eis me vou, e tal'■■ fada me řadou ■. •. 560 que pareco mal cá fóra. Diabo Ora entrai, minha senhora, e sereis bem recebida... Se viveste santa vida, vós o sentireis agora. Tanto que Brísida Vaz se embdrcou veio um Judeu com um bode ás costas; e chegando ao batet dos dana-dos, diz: 565 Judeu Que vai ilá, hou marinheiro? Diabo Oh! Que má-hora vieste! Judeu Cuja é esta barca que preste? Diabo Esta barca 6 do barqueiro. Judeu Passai-me, por ineu dinheiro. 570 Diabo E esse bode há cá de vir? Judeu O bode também há-de ir. Diabo Oh! Que honrado passageiro!... Judeu Sem bode, como irei lá? Diabo Pois eu náo passo cá cabroes! 575 Judeu Eis aqui quatro tostóes e mais se vos pagará. Por vida do Semifará que me passeis o cabráo! Quereis mais outro tostáo? 82 83 580 DiABO Nam tu náo hás-de vir cá. Judeu Por que náo irá o judeu onde vai Brísida Vaz? {Vala ao Fidaígo): Ao senhor meirimho apraz? Senhor meirinho, irei eu? 585 DiABO E ao fidalgo quem lhe deu o mando děste batel? Judeu Corregedor, coronel, castigai este saradeu! Azará, peďra miúda, 590 Iodo, cshantOj fogo, lenha, caganeira que te venha, má oorrenpa que te acuda! Par el Deu que te sacuda com a barca nos focmhos! 595 Fazes burlasdos meirinhos? Dize, filho da cornuda! Parvo Furtaste a chiba, cabrao? Pareoei-me vós a mim carrapato de Alcoutim 600 enxertado em camaráo. Diabo Judeu, Já te levaráo, porque faao-de ir descarregados. Parvo E se ele mijou nos finados no adro de Sáo Giáo! 605 E comia a carne da panela no dia de Nosso Senhor! E mais ele, salvanor, cada vez mija naquela! Diabo Ora, sus! Demos á vela! 610 Vós, judeu, ireis á toa, que sois mui ruim pessoa. I^evai o cabráo na třela. Vem um Corregedor carregado de feitos, com sua vara na mäo, e chegando ä barca do Inferno diz: CORREG. Diabo coeeeg. 615 Diabo Coeeeg. Diabo 620 Coeeeg. Diabo Coeeeg. Diabo Coeeeg. Diabo 625 630 635 correg. Diabo 640 correg. Diabo Coeeeg. Diabo Hou da barca! Que quereís? 'Stá aqui o senhor juiz! Ó amador de perdiz, ■gemtil cárrega trazeis! No meu ar comhecereis que náo é ele do meu jeito. Como vai lá o direito? Nestes feitos o vereis. Ora pois, entrai; veremos que diz i nesse papel. E onde vai o batel? No iraferno vos porenios. Como?! A terra dos démos há-de ir um corregedor?! Santo descorregedor, embarcai, e remaremos! Ora entrai, pois que viestes. Non est de regulae juris, náo! Ita! Ita! Dai cá a mäo, remareis um remo destes. Fazei cottta que nascestes para nosso compatiheiro. — Que fazes tu, barzoneiro? Faze-lfoe essa prancha prestes! Oh! Renego da viagem e de quem me háide levar! Há aqui meirinho dö mař? Náo há cá tal costumagem. Náo entendo esta barcagem, nem hoc non pot est esse. Se ora vos parecesse que cnäo sei mais que lijiguagem!. 84 85 645 Entrai, entrai, corregedor! Correg. Hou! Videtis qui petatis! Super jure majestatis tem vosso maoido vigor? DiABO Quando ereis ouvidor 650 non ne accepistis r-apina? Fois ireis pela bolina onde nossa merce for: Oh! Que isca esse papel para um fogo que eu sei! 655 Correg. Domine, memento met! DiABO Non es tempus, baoharel! Imbarquemini in batel quia judicastis malicia. Correg. Semper ego in justicia 660 fecit, e bem por snivel. Diabo E as peitas dos judeus que vossa mulher levava? Correg. Isso eu näo no tomava, er am lä percalcos seus. 665 Non sunt peccatus mens, peccavit uxore mea. Diabo Et vobis quoque cum ea nemo timuistis Deus. A largo modo adquiristis 670 sanguinis laboratorurn, ignorantes peccatorum. Ut quid eos non audistis? Correg. V6s, arrais, non legistis que o dar quebra os penedos? 675 Os dineitos estäo quedös ■ si aliquid traditistis:. Diabo Ora, entrai nos negros fados! Ireis ao lago dos cäes e vereis os escriväes 680 Correg. Diabo como estäo täo prosperados. Ena terra dos danados estäo os evangelistas? Os mestres das bulras vi&tas lä estäo bem fragoados. Estando o Corregedor nesta prdtica com o Arrais infernal, chegou um Procurador carregado de livros, e diz o Corregedor ao Procurador: 685 Correg. ö senhor procurador! Procur. Beijo-vos-las maos, juiz! Que diz esse arrais? Que diz? DiABO Que sereis bom remador. Entrai, bacharel doutor, 690 e ireis dando ä bomba. Procur. E este barqueiro zomba? Jogatais de zombador? E essa gente que at esta para onde a levais? 695 Diabo Para as penas inferoiais. Procur. Disse, näo vou para lä. Outro navio estä cä muito molhor assömbrado. Diabo Ora estais bem aviadol... 700 Entrai, muitieramä! : Correg. Confessastes-vos, doutor? Procur. Baoharel sou... — Dou-me ao dermo!: näo cuidei que era extremo nem de morte minha dor. 705 E vös, senhor corregedor? Correg. Eu mui bem me confessei, mas tudo qüanto roubei encobri ao confessor... Procur. Porque, &e o näo tornais, 710 näo vos querem absolver e e muito mau de volver detpois que o apaohais. 86 87 DiABO Pois por que näo embarcais? Correg. Quia esperamus in Deo. 715 Diabo Imbarquemini in barco meo... para que esperatis mais? Väo-se ambos ao batet da Gloria, e chegando diz o Corregedor ao Anjo: 720 correg. Anjo correg. 725 Parvo 730 735 740 correg. parvo Anjo correg. Procur. Parvo 745 Hou arrais dosglorioses, passai-rtos nesse batell Oh pragas para papcl, para as almas odiosos!; Como vindes preciosos, sendo filhos da cioncia! Oh! Habeatis cleméncia . e passai-dos como vossos! Hou' homens dos breviários, rap bias I is coelhorum e pernis perdigatoraní e mijais nos campanários! Ainjos, näo sejais coiítrários, pois näo temos outra ponte! Beleguinis ubi sunt? Ego latinus imacariqs. A justica divinal vos manda vir carregados porque vad es embarcados nesse bate! infernal.'/ ' Oh! Näo praza a Säo Margal coa ribeiřa mem co 'rio! Cuidam lá que é desvario haver cá tamanho mal. Que ribeira é esta tal! Pareceis^me vós a mi como cagado nebri mandado no Sardoal. Embarquetis in zatnbuquis! Correg. Venha a negra praincha cá! Vamos ver este segredo. Procur. Diz um texto do diegredo... Diabo Entrai, que cá se dirá!... E tanto que foram dentro no batet dos condenados, disse o Corregedor a Brísida Vaz, porque a conhecia: 750 Correg. Esteis imuitó arama, senhora Brísida Vaz! BrÍS. Já sequer estou em paz, que näo me deixáveis lá. Čada hora encorocada: 755 «Justica que manda fazer...» Correg. E vós... tornar a tecer e urdir outra meada. Brís. Dizede, juiz de aícada: Vem lá Pero de Lisboa? 760 Levá-lo-emos a toa e irá desta barcada. Vem um hörnern que morreu enforcado e chegando ao batet dos mal-aventurados disse o Arrais tanto que chegou: Diabo Venhais embora, enforcado! Que diz lá Garcia Moniz? Enforc. Eu vos direi que ele diz: 765 —que fui bem-aventurado, que, pelos furtos que eu fiz, sou santo canonizado, pois morri depenďurado como o tordo na boiz. 770 Diabo Entra cá, govennarás até äs portas do inferno. Enforc. Näo é essa a iiau que eu governo. Diabo Entra, que inda caberás. 88 89 Enforc. Pesar de Sáo Barrabás! 775 Se Garcia Moniz diz que os que morrem como eu fiz sáo livres de Satanáš... E disse que a Deus prouvera que fora ele o enforcado; 780 e que fosse Deus Iouvado, que em boa-hora eu nascera; e que o Senhor mc escolhera; c por meu bcm vi belcguins; e com isto mil latins, 785 como se eu latím soubera... E no passo derradeiro me disse nos meus ouvidos que o lugar dos escolhidos era a forca e o Limoeiro; 790 nem guardiáo de mosteiro nao tinha tao saota gente como Afonso Valente, o que agora é carcereiro. Diabo Dava-íe consalacáo 795 isso, ou algum esforco? Enforc. Co baraco no pescoco mui mal presta a pregacao... Ele leva devocáo, que há-de tornar a jantar... 800 Mas quern há-de estar no ar aborrece4he o sermáo. Diabo Entra, entra no bated, que para o inferno hás^de ir. ENFORC. E o MonLz há-de mentir? 805 Dissenme: — «Com Sao Miguel irás comer páo e irael como fores enforcado». Qra, já passei meu fado e já fcito. é o burel. 90 810 Agora näo sei que é isso, näo me falou em ribeira, nem barqueiro, nem barqueíra, senäo — logo ao Paraíso. Isto muito em seu siso, 815 e era santo o meu baraco. Eu näo sei que aqui fago, que é desta glória emproviso? Diabo Falou-te no Purgatório? Enforc. Diz que era o Limoeiro, 820 e or a por ele o salteiro e o pregäo vitatório; e que era mui notório que aqueles disciplinados éram horas dos finados 825 e missas de Säo Gregório. Diabo Quero-te descnganar: se o que disse tomaras, oerto é que te salvaras. Näo o quiseste tomar;.. 830 —Alto! Todos a tirar, que está em seco o bated! — Saí vós, frei Babriel! Ajudai ali.a botar! Vém quatro Cavaleiros cantando, os quais írazem cada um a cruz de Cristo, pelo qual Senhor e acrescenta-mento de sua šanta f é católica morreram em poder dos mouros. Absoltos a culpa e pena por privilégio que os que assim morrem tém dos mistérios da paixäo daquele por quem padecem, outorgadós por todos os Presidentes Sumos Pontífices da Madre Santa Igreja; e a cantiga que assim cantavam quanto ä palavra dela é a seguinte: 835 A barca, ä barca segura! Guardar da barca perdida!> ä barca, ä barca da vida! 91 840 845 850 Senhores, que trabaJhais pela vida transitória, memoria, por Deus, memoria deste temeroso eais! Á barca, ä barca, mortais! Porém, na vida perdida seperde a barca da vida. Vigiai-vos, pecadores, que depois da sepultura neste rio está a Ventura de prazeres ou dolores! Á barca, ä barca, senhores, barca mui nobrecida, ä barca, ä barca da vida! E passando pordiante dä proa do batet dos danados assim cantando, com suas espadas e escudos, disse o Arrais da perdigäo des ta maneira: Diabo Cavaleiros, vós passais e näo perguntais onde is? Caval. E vós, Satan, presumis? Atentai com quem falais! 855 Out.Cav. E vós que nos demandais? Sequer conheceis-nos bem: raorremos nas partes de alem, e näo queirais saber mais. 860 DlABO Caval. Bntrai cá! Que coisa é essa? Eu näo posso entender isto! Quem morre por Jesus Cristo näo vai em tal barca corao essa! Tornam a prosseguir, cantando, seu catninho direito ä barca da Glória, e tanto que chegam diz o Anjo: Anjo Ó cavaleiros de Deus, a vós estou esperando 865 .que momestes pelejando por Cristo, Senfaor dos Céus! Sois livres de todo mal, santos por certo sem fálha,