ANTONIO VIEIRA „Para uma alma se converter há de haver três concursos: há de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há de concorrer Deus com a graça, alumiando.“ Antonio Vieira, Sermão da Sexagésima Sermão da Epifania „E porque na apelação deste pleito, em que a injustiça e violência dos lobos ficou vencedora, é justo que também eles sejam ouvidos, assim como ouvistes balar as ovelhas, no que eu tenho dito, ouvi também uivar os mesmo lobos, no que eles dizem. Dizem que o chamado zelo com que defendemos os índios é interesseiro e injusto: interesseiro, porque o defendemos para que nos sirvam a nós; e injusto porque defendemos que sirvam ao povo. Provam o primeiro, e cuidam que com evidência, porque veem que nas aldeias edificamos as Igrejas com os índios; veem que pelos rios navegamos em canoas equipadas de índios; veem que nas missões por água e por terra nos acompanham e conduzem os índios: logo, defendemos e queremos os índios para que nos sirvam a nós! Esta é a sua primeira consequência, muito como sua, da qual, porem, nos defende muito facilmente o Evangelho. Os Magos, que também eram índios, de tal maneira seguiam, e acompanhavam a estrela, que ela não se movia, nem dava passo sem eles. Mas, em todos estes passos, e em todos estes caminhos, quem servia, e a quem? Servia a estrela aos Magos, ou os Magos à estrela? Claro está que a estrela os servia a eles, e não eles a ela. Ela os foi buscar tão longe, ela os trouxe ao Presépio, ela os alumiava, ela os guiava, mas não para que eles a servissem a ela, senão para que servissem Cristo, por quem ela os servia. Este é o modo com que nós servimos aos índios, e com que dizem que eles nos servem. Se edificamos com eles as suas Igrejas, cujas paredes são de barro, as colunas de pau tosco, e as abóbodas de folhas de palma, sendo nós os mestres e os obreiros daquela arquitetura, com o cordel, com o prumo, com a enxada, e com a serra e os outros instrumentos – que também nós lhes damos – na mão, eles servem a Deus e a si, nós servimos a Deus e a eles, mas não eles a nós. Se nos vem buscar em uma canoa, como têm por ordem, nos lugares onde não residimos, sendo isso, como é, para os ir doutrinar por seu turno, ou para ir sacramentar os enfermos, a qualquer hora do dia ou da noite, em distância de trinta, de quarenta e de sessenta léguas, não nos vêm eles servir a nós; nós somos os que os imos servir a eles. Se imos em missões mais largas a reduzir e descer os gentios, ou a pé, e muitas vezes descalços, ou embarcados em grandes tropas à ida, e muito maiores à vinda, eles e nós imos em serviço da Fé e da República, para que tenha mais súditos a Igreja e mais vassalos a Coroa; e nem os que levamos, nem os que trazemos, nos servem a nós, senão nós a uns e a outros, e ao rei e a Cristo. E porque deste modo, ou nas aldeias, ou fora delas, nos vêem sempre com os índios, e os índios conosco, interpretam esta mesma assistência tanto às avessas que, em vez de dizerem que nós os servimos, dizem que eles nos servem. [...]“